sexta-feira, 16 de outubro de 2009
O Escritor & o Psicólogo
Ele analisava. Pose típica de psicólogo. Mão no queixo. Pernas cruzadas. Óculos abaixo da posição correta. Fala pausada.
– Então por que tu não segues em frente?
Uma provocação. Era assim que ele trabalhava. E eu sabia. Percebia claramente a provocação e seus objetivos. Antecipava a sua análise.
– Pra mim o sexo e o amor sempre foram duas coisas quase opostas, antagônicas. É assustador ver a possibilidade de conciliá-los na mesma mulher.
Era verdade. Eu tinha medo. O sexo vazio era seguro e fácil. Eu o dominava. Eu as dominava. Não tinha nada a temer. Quanto ao amor, eu já havia desistido dele há tanto tempo que nem lembrava mais. Tanto que, quando eu a amei, não soube se já havia sentido aquilo antes, algum dia. Parecia inédito pra mim.
– Mas não é justamente isso que tu procuras? Algo novo? Algo diferente? Algo a mais?
Era. Creio que era. Mas eu tinha medo. Medo do amor. As minhas recordações – remotas – sobre o amor eram de destruição e mágoa. Tragédia. Desesperança. Desilusão. O amor nunca me trouxe nada de bom. E ainda havia aquela certeza, uma premonição absoluta, de que, no momento em que eu me entregasse, ela me abandonaria.
– É. Acho que eu estou em um momento de reconstrução interna. E ela é uma peça chave para que esta reconstrução aconteça.
Mas eu não conseguia vê-la como um objeto – como eu vira todas as outras. Eu a amava – e essa certeza era assustadora.
– Então o que tu tá esperando?! Vai lá, fica com ela! Transa com ela! Te permite amá-la!
Sim, eu queria. Aliás, era o que eu mais queria. Mas não era tão fácil. Eu tinha medo. Eu a conhecia muito bem. Três anos de convivência. Nossa relação era única. Todo aquele desejo contido. Aqueles sorrisos. Aquelas ironias. Aqueles toques sutis. Todo aquele amor desvairado represado por barreiras fracas demais durante todos estes anos. As barreiras se romperam. Não há como manter o controle. E não há como eu explicar isso para ele. Nem para ninguém mais. Apenas eu & ela somos capazes de compreender isso.
– Eu a amo. Sempre a amei. À minha maneira. Creio que a atitude dela com relação a mim é semelhante. Acontece que nós nos conhecemos bem demais e tememos um ao outro. Somos inconstantes...
– Mas o amor de vocês não é constante? Não durou três anos?
(Silêncio)
– O meu sim.
Por mais que eu respondesse por ela, não poderia ter certeza. Ela nunca me deu certeza nenhuma. Ela sempre foi uma incógnita na minha vida.
(Silêncio)
– Sabe, ela me disse que sabe que eu vou estar no casamento dela – ela quer casar –, mas que também sabe que eu não serei o noivo.
– E?
– Não sei o que pensar disso.
Mentira. Eu sabia bem o que pensar; o que sentir. Machucou-me. Eu gostaria de ser o noivo. Na verdade, eu nunca pensei realmente se gostaria de casar ou não; mas sei que não vou agüentar essa vida de escritor degenerado pra sempre. Já comecei alguns processos de reconstrução interna. Acho que sim. Que eu gostaria de casar-me; ter um casal de filhos... talvez com ela.
(Silêncio)
– Tu gostarias de ser o noivo?
– Acho que sim.
– E por que tu não deixas ela saber disso.
– Por que no momento em que ela souber, ela vai me deixar.
Era verdade. Pelo menos era no que eu acreditava.
– E se ela não te deixar?
– Não sei.
(Silêncio)
– O que tu esperas dela?
– Amor.
– Como?
– O quê?
– De que forma? Como tu queres que ela demonstre esse amor? Como tu queres que esse amor se realize?
Eu não sabia.
– Talvez em muitas noites de sexo selvagem. Talvez em um casamento com um casal de filhos. Talvez até mesmo em ambos, na simbiose perfeita – nós, que tão ambíguos somos.
(Silêncio)
– E por que tu não dizes tudo isso pra ela?
– Porque no momento em que ela souber, eu irei perdê-la.
Era verdade. Eu sabia. Tinha certeza.
– Tu estás te bloqueando. Assim tu nunca vais te permitir viveres nada. Tu estás estagnado.
Eu sabia. Mas eu tinha medo. Muito medo. Depois de muitos anos ela era uma possibilidade de amor, e eu percebia que a perderia antes mesmo desse amor se concretizar. Ela era minha. Sempre fora. Mas na verdade não seria nunca.
Eu estava extasiado por amá-la; mas aniquilado pela certeza da tragédia.
– Não importa... nunca importou...
Mentira.
(Silêncio)
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
A cultura dos incultos
Inicialmente, devemos propor-nos a investigar as causas deste fenômeno, que cada vez mais atinge as universidades brasileiras. É possível considerar que o problema advém da necessidade das universidades particulares manterem seus alunos. Os altos preços podem ser pagos apenas por uma pequena parcela da população, sendo que, seria financeiramente inviável para as estas universidades perderem alunos por causa da elevação da qualidade e da exigência em nível acadêmico.
Juntamente com estas questões, podem-se incluir as políticas governamentais – que afetam principalmente as universidades públicas. O governo brasileiro precisa mostrar uma evolução no nível de educação da população para os organismos internacionais. Só que está evolução não se dá na qualificação da educação brasileira, e sim no aumento da parcela da população que tem acesso a uma educação formal. Ou seja, as políticas públicas visam quantidade, e não qualidade. Seu interesse é apenas em termos de números e percentuais.
Tendo em vista estas duas questões básicas – que podem ser desenvolvidas em inúmeras outras –, não é difícil compreender como o Brasil despeja quantidades absurdas de profissionais mal-preparados no mercado de trabalho todos os anos. A política dos números nas instituições públicas, e a política do dinheiro nas instituições privadas, estão carcomendo a educação brasileira de dentro para fora. O resultado disso poderá ser observado daqui a alguns anos, num cenário em que o Brasil terá grande parcela de sua população com uma “boa” escolarização em termos oficiais, mas que ser revelará como o país da educação oca, da ignorância diplomada.
O Brasil é o país das filas
O hospital ali, poucos metros a sua frente, torna-se uma miragem inalcançável na medida em que o sangue vai escorrendo por entre suas pernas. Seu filho vem ao mundo como uma prova da caridade humana, dependendo da boa vontade de passantes despreparados para nascer. Como um Jesus Cristo da pós-modernidade, ele grita alto em alguma rua suja e fétida deste imenso país, mas logo é sufocado pela poluição e pelas buzinas de algum trânsito caótico.
Depois do parto já realizado, provavelmente a fila do SUS humanizou-se um pouco – não por atitude dos médicos, sempre encastelados nos seus uniformes brancos de semi-deuses, mas através da atitude das mesmas pessoas corajosas e de boa vontade que ajudaram uma desconhecida a parir no meio da rua.
O Brasil é o país das filas, e a fila do SUS é provavelmente o melhor exemplo disso. Mas quando uma mulher dá a luz em uma calçada suja, no meio dessa fila, nós percebemos o quão lindo e horrível é o Brasil em que vivemos.
Dia cotidiano
É por este contexto caótico que um estudante tem que passar todos os dias ao se dirigir do centro à PUCRS. Uma realidade de misérias humana variadas passa lenta pela janela, enquanto no meio do congestionamento eu ouço Gardel no mp4 e penso no café com baunilha que me espera na PUCRS.
Confesso, nunca gostei de escrever crônicas. Sempre fui criticado pela minha falta de consciência social. A miséria nunca me comoveu. Mas o que me incomoda neste trajeto diário é a feiúra. Como escritor, sempre me guiei pelo instinto de beleza; sempre procurei ver a arte no cotidiano. Mas isso parece impossível em dias de chuva, preso no trânsito caótico, em uma cidade suja, podendo ver apenas a miséria pela janela.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Chuva
Passou margarina em dois cacetinhos de três dias e colocou-os no microondas. Comeu-os rápido, antes que virassem pedra. Passava um pouco das dez da manhã. Sentou-se em frente ao notebook. Orkut, twitter, gmail, blog. Amigos virtuais. Os reais, de carne e osso, estavam longe há séculos. Às vezes, em algum momento de lucidez, perguntava-se se eles realmente existiram.
Detestava a televisão. Ficar como um autômato sentado em frente a um gordo qualquer em um domingo chuvoso. Mas as horas que negava à tv, dava quase inconscientemente ao computador. Um outro tipo de automatismo, mais disfarçado, mais sutil, mais culto, mais bonito. Ninguém poderia criticá-lo por estar em frente ao computador – todos estavam. E as horas se esgotavam.
A chuva, o frio, a conexão ruim da internet esgotavam-no. Não sabia se o dia ia realmente escurecendo. Essas tardes chuvosas pareciam-lhe atemporais. Buscava uma distração ou outra no notebook já velho e com o hd esgotado. Assistia os mesmos filmes pela décima-sétima vez. Colocava um tango dolorido para tocar. Revia velhas fotos. Relia velhos textos. Deparava-se com o inexorável e inesgotável Paciência Spider. A noite já era escura.
Novamente embaixo de três edredons coloridos e pesados. O cheiro forte do seu suor já velho nos lençóis que não eram trocados quase nunca. Tinha uma pequena lâmina, fragmento de gilete quebrada a muito custo no banheiro, apertada entre o polegar e o indicador. Apenas sua cabeça permanecia do lado de fora dos edredons, e agora a televisão sem som cumpria a sua função de espantar a escuridão em tons mórbidos e desbotados de azul.
Ele pensava: solidão solidão e mais solidão há quantos anos essa solidão por que ninguém nunca conseguiu se aproximar de mim por que eu nunca consegui me aproximar de ninguém e de que me vale essa vida vazia desregrada de bebedeiras e transas com mulheres estranhas em bares infectos ninguém se importa comigo de verdade ninguém vai realmente sentir falta se eu morrer vão chorar um pouco no enterro para não ficar feio mas no fundo vão se sentir aliviados talvez os meus avós minha mãe minha irmã realmente sintam o resto não o resto nada eu sou nada para eles ai doeu merda não tenho coordenação pra cortar com a esquerda como escorre rápido nem parece vermelho com essa luz da tv será que vai encharcar os lençóis o colchão os três edredons duvido que tenha sangue para tanto é uma sensação engraçada estranha da uma agonia mas não dói é só sentir o sangue saindo saindo saindo e saber que daqui a pouco não vai restar nenhuma gota sinto saudades da minha irmã gostaria de ter me despedido dela e da minha mãe e dos meus avós meu pai também morreu sem se despedir de mim quinze anos de abandono antes dele morrer desgraçado tô ficando cansado com sono será que isso é morrer não consigo mais pensar direito articular as frases direito na minha cabeça vou dormir um pouco só tirar um cochilo embora eu saiba que não é um cochilo e que eu não vou acordar nunca mais.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Tarde de Agosto
Entrou no banho. Água quente sobre a pele. Vapor entorpecendo-o. A ducha quente sempre clareava suas idéias; parecia espantar o cansaço – pelo menos por uma meia hora.
Lavou o cabelo duas vezes, perdido, alienado. Não se dava conta da realidade. O vapor brumoso do pequeno box parecia transportá-lo para outro mundo. Não pensava; não sentia. Apenas ficava imerso na umidade quente, turva.
Desligou o chuveiro; vestiu-se; saiu para a rua. A garoa fria; os sons agudos; a poluição suja que não se deixava lavar; as imagens do centro imundo de Porto Alegre. Tudo isso o agrediu de uma forma tão violenta que ele chegou a dar dois passos, de costas, para dentro do prédio. A ilusão do banho havia acabado. Ele engoliu a seco e saiu novamente.
O vento e a garoa fina encharcavam o sobretudo e o chapéu de feltro. O dia era nublado, cinzento; e ele ia todo de negro pelo meio da multidão multicolorida, que o atacava com guarda-chuvas afiados e olhares de reprovação e susto. Realmente, mesmo limpo e – mal – barbeado, sua figura não era das melhores. As olheiras, a expressão cansada. Alguma coisa agressiva e triste naquele olhar. E ele ia indo pelo meio da chuva.
Entrou em um café e sentou-se em uma mesa ao fundo. Largou o chapéu e o sobretudo encharcado sobre uma cadeira. Abriu o casaco. O ambiente abafado do lugar o sufocava. Ela observava-o com curiosidade. Apenas quando acabou de acomodar-se e habituar-se ao lugar, ele olhou-a e disse:
– Oi.
– Oi. – Ela lhe respondeu sorrindo.
Ele sorriu também. Eram cúmplices. Amantes; amigos; tudo. Eram tudo um para o outro – o mundo – e nada mais importava.
Dois capuccinos sem chantilly. Planos para ir ao teatro, ao cinema, à livraria. Uma harmonia cálida com cheiro de café. No fundo, não havia necessidade de palavras entre eles. Já haviam se dito tudo anos atrás. Já apaixonaram-se; amaram-se; odiaram-se. E o que restou? Restaram os dois, em um café no centro de Porto Alegre, em uma tarde cinzenta e chuvosa de agosto.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
episódio ilustrativo sobre a incompreensão
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Amor (ou Com Toda A Calma Do Mundo)
sábado, 22 de agosto de 2009
Inevitabilidade
Entenda, é complicado tentar descrever, ou mesmo compreender essa nossa relação. É como entrar em um labirinto sem fim. Cada caminho nos leva a um lugar diferente, e os caminhos são infinitos – embora todos acabem em becos sem saída. O que eu tento fazer aqui é um exercício de auto-conhecimento, de conhecimento dela – nós, que sempre fomos tão difusos, que perdemos os contornos fixos quando estamos um perto do outro. Ela, sempre minha inspiração, meu ideal de divindade neste mundo podre, meu duplo, sol, eu que sempre estive perdido na escuridão por vontade própria.
Acho que isso que vivemos agora é apenas mais uma fase, mais um processo, mais um caminho no labirinto. Repito: nós somos uma inevitabilidade. Quer gostemos disso ou não. Nossas almas estão ligadas a nível inconsciente, e esse ligação não será quebrada por nossa vontade ou capricho. I-ne-vi-ta-bi-li-da-de. Nós, que sempre nos orgulhamos de sermos donos dos nossos destinos, aqui nos tornamos escravos dos mesmos. Eu, particularmente, não acho tão ruim. Eu não tenho nada a perder. Mas para ela é uma escolha. Talvez, uma escolha sem escolha.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Dia de Chuva
Ao lado do velho colégio havia uma catedral. Neste sábado chuvoso e frio de inverno, suas sólidas portas de madeira nobre – importadas da Alemanha – encontravam-se cerradas. Eu olhava fixo para as portas cerradas, parado no meio da chuva. Era como se minha vida fosse uma eterna chuva, e todas as portas estivessem cerradas. Todas elas feitas de madeira nobre, escura e muito dura, e minhas mãos ensangüentadas, ossos quebrados de tanto bater em vão.
Adentrei no colégio. Não era mais o mesmo. Aquelas placas de acrílico, aquela pintura nova em cores berrantes, aquelas grades. Nada daquilo fazia parte do colégio da minha infância. Nada daquilo era meu. Eu era um estranho ali, e sentia aquele lugar me expulsando. Um “vá embora” sussurrado pelo vento nos corredores gelados, antes tão familiares, agora tão estranhos. Andei andei andei, andei centenas de quilômetros, andei até o infinito, e não reconheci nada. O meu colégio não existia mais; aquele que ali estava era outro. O choque da realidade deixou-me zonzo. Não sabia o que pensar. Não sabia o que sentir. Fui embora.
De volta à chuva fria, portas cerradas, sangue, ossos, desespero, desamparo. De volta ao nada, ao vazio, à minha vida. E agora com a certeza excruciante de que um dia a minha memória irá se apagar, e os lugares e pessoas que hoje apenas ali existem, enfim morrerão. E eu morrerei com eles.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
dia frio.
Hoje cortaram a minha luz. Esqueci completamente da luz quando fiz a mudança. Eu nunca fui muito bom com estas questões práticas da vida. Sempre alienado – é o que me dizem.
É final de julho e o inverno parece ter atingido o seu máximo esplendor. O frio enregelante castiga a boca e os olhos. O clima paranóico de medo da gripe suína paira no ar. A vida segue.
Pessoas entram e saem do café. Ninguém presta atenção em mim. Mas eu continuo aqui, ansiando desesperado por qualquer contato humano, qualquer um que se compadeça de mim e sente ao meu lado para ouvir minhas histórias. Ou para me contar histórias, eu sempre gostei tanto de ouvi-las – quanto mais fantástica melhor.
Permaneço sozinho no café, esperando um olhar, um sorriso, um abraço – mesmo com a gripe suína. Mas ninguém ouve o meu grito silencioso; ninguém presta atenção no meu desespero.
Considerações de Vila Tamanduá
Aqui sempre foi um local muito propício para escrever. O isolamento, a alienação. É como se este lugar me permitisse olhar para a minha vida de fora pra dentro; olhar para mim mesmo de fora pra dentro. Há certas conclusões às quais eu só consigo chegar quando estou aqui, longe do mundo, longe de tudo, longe de todos, longe da minha vida, longe de mim mesmo... E muito mais perto da minha verdadeira literatura.
Um post caótico sobre cupins e sentimentos confusos
Sou apenas um homem entediado com minha vida comum. Apenas mais uma vítima da agonia. Apenas mais um. Mas ao contrário de menininhas bulímicas, eu escrevo, vomito no papel. Mas a agonia é a mesma, eu garanto. Aquela mesma esperança vazia de ter tanta coisa bonita pra viver, mesmo tendo a certeza de que isso nunca acontecerá.
O que me restou foram os meus livros; o meu vômito. São tantas culpas de coisas não vividas, de covardias e medos. Tantas angústias e agonias por não conseguir ser quem eu quero ser; e eu quero tanto, preciso desesperadamente deste eu que não vem, que não desenvolve, que não desabrocha. Tento mil e uma artimanhas para enganar a mim mesmo, fingir ser o grande homem que não sou, esquecer esta mediocridade eterna em que estou imerso. Quase sempre funciona. O problema é quando o quase não dá certo, quando não é o suficiente. Dar-se conta da sua própria mediocridade é o pior dos abismos, a pior das torturas – Salieri que o diga (que Hades o tenha).
Pra mim a mediocridade é como cupim. Passei anos envernizando a minha linda superfície amadeirada, formada através dos melhores livros & filmes, com um toque de sândalo para completar. Enquanto isso o meu interior foi ficando cada vez mais carcomido, oco, inutilizado. Infestado de cupins. Até dei nome para alguns – os mais familiares. Há a Tristeza; a Melancolia; a Depressão; o Suicídio; o Caos; a Desesperança; a Ilusão. A Esperança; o Carinho; a Amizade; o Amor. Todos cupins de estimação – alguns gordos e roliços; outros decrépitos e semi-mortos. Mas acho que o principal cupim dentro de mim é a Soberba. A Soberba e a Indiferença são rainhas absolutas dentro do meu interior podre e carcomido. Não há dúvidas. É inegável. Uma hora o verniz vai cair, a pintura vai descascar, e o cupinzeiro inteiro vai ruir, com seus cupins correndo desesperados pelo chão, sendo esmagados um a um por transeuntes indiferentes, até não restar nenhum.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
sobre o amor
A condição humana é triste. Isso é um fato inegável. Quanto mais eu penso, mais me dou conta disso. O que significa ser humano, além de dor e sofrimento? Amor? Amor é ilusão. Provavelmente a maior das ilusões. Uma ilusão divina, presente dos deuses para aplacar a tristeza de nossas vidas miseráveis. Nós, como seres humanos, somos incapazes de amar. Não amamos nem a nós mesmos. Idolatramo-nos junto com os nossos deuses – geralmente nos idolatramos mais do que aos nossos deuses –, e tudo isso pra quê? Pra nada. No fundo é tudo ilusão, quimera mágica que escorre pelos dedos tal qual areia; assim como o amor. Eterno amor. Impossível amor. Ilusão suprema dos pobres mortais.
Engraçado. Fazia tempo que eu não pensava sobre o amor, que eu não escrevia sobre o amor. A descrença suplantou o amor que havia em mim há muito tempo. E não seria tudo a mesma coisa? A descrença. O amor. Tudo ilusão? Apenas caricaturas de percepções vagas. Apenas tentativas, que nem sempre são tão válidas assim. Tentativas vãs de escapar da dor e do sofrimento que significa ser humano. Sim, pois tal qual o amor, a descrença também é uma tentativa de salvação. Tentativa daqueles que acreditaram demais, e presenciaram toda a maldade e crueldade humana na pele, no sangue, no coração. A minha descrença me salva, me protege, me ilumina até. Torna-me sagrado e especial em meio ao mundo cinzento em que vivemos. Dá-me novas percepções, me permite ir além. A minha descrença é a minha salvação – minha ilusão. Quanto aos outros, que fiquem com o amor – ilusão mais imperfeita e fugidia do que todas as outras. O eterno amor. A elevação sublime da condição humana, o dom dos deuses, que vislumbramos mas nos é negado a cada tentativa vã, a cada pedido desesperado, a cada coração dilacerado. O amor, dom dos deuses, que a nós, humanos e mortais, só faz sofrer.
sobre a descrença & minhas duas mulheres
A primeira delas é uma eterna relação mal-resolvida que, entre idas e vindas, já dura lá seus dois anos e pouco. Para mim, seria a relação perfeita, se não fosse por um pequeno detalhe: eu não sou apaixonado por ela. Poderia até dizer que a amo, e isso talvez fosse verdade; mas não sou apaixonado por ela. Temos uma convivência harmônica – o que comigo é quase impossível –, e em alguns momentos ela até ajuda a balancear o meu frágil equilíbrio. Só não há paixão. A relação (quase) perfeita.
A outra razão/situação – não menos importante – é o eterno fantasma da mulher perfeita. Da mulher perfeita pra mim. Fantasma esse que me assombra há, creio eu, uns dois anos e pouco, quase três. Sempre ali, como uma possibilidade, como uma presença, como uma ausência, como poesia. O drama sangrento em cores vivas no meio da minha vida cinza e vazia. Tudo o que eu sonhei pra mim – eu que odeio clichês. O fantasma da mulher perfeita, sempre bailando a uma distância segura. Sempre em meus pensamentos; sempre em meus sentimentos – hoje tão raros.
Não sei exatamente à que conclusão chegar. Não sei o que pensar da minha descrença no amor e destas duas situações paralelas. A única certeza que eu tenho é a de que enquanto estas situações não se resolverem, eu serei incapaz de me apaixonar novamente. E quanto à descrença... bem, a descrença, creio eu, é insolúvel. Ou quase.
Algumas Considerações
Eu mesmo nunca soube para onde me encaminhava. Sempre tive a sensação de que andava a passos largos para a beira do abismo. Só não sabia de que abismo. São tantos os abismos pelos quais tive de passar; e tantos mais os que pressinto no meu futuro, à minha frente. Eu sempre me jogando de cabeça nos abismos, esta é a imagem que fica.
Talvez o que me incomode seja justamente a falta de abismos. Esse isso-tudo plano, reto, sem perigos, sem mortes, sem nada. Essa falta de abismos vai se tornando para mim, aos poucos, algo insuportável. Como posso viver em uma vida sem abismos? Não posso – e isso em si já é um abismo; a minha salvação.
O que me separou da loucura, o pequeno passo que me separou da loucura durante todos estes anos, foi justamente o fato de eu estar sempre a um passo dela. É uma forma de equilíbrio, vê? Se eu afastar-me um passo mais da loucura, ela inevitavelmente me alcançará. O equilíbrio estará quebrado, o feitiço estará desfeito.
A loucura sempre a um passo, os abismos sempre ao redor, e eu.
sobre o ceticismo
“Como faz pra deixar o ceticismo de lado?” Se eu soubesse, viveria.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Ensaio sobre a loucura
O que acontece? O que acontece de verdade? Na noite fria muitas dúvidas me assolam. O café auxilia no combate contra o sono que me ataca violento. Cansaço incrustado nos ossos. De desilusões, o cansaço. Provavelmente. Devia ter febre. Gostaria de ter febre. Talvez os delírios fizessem sentido na febre. Mas estou são. Não, estou saudável, não são; nunca são. A sanidade me abandonou há... na verdade eu não me lembro de algum dia ter me orientado pela sanidade. Será o meu fim? Ter me dado conta da minha loucura e morrer então, alucinado e demente, ciente de que nada me faz sentido. Talvez. Não, não posso morrer ainda. Não me sinto pronto para a morte, embora pressinta que ela me espera de braços abertos – talvez logo ali na esquina. Hoje meu braço esquerdo estava dormente. Podia ver as cicatrizes no pulso de pele pálida. Talvez eu tenha um infarto. Mas não era hora de pensar nisso. No que eu estava pensando mesmo?
Na vida. No futuro. Em mim. Na noite fria. Não seria tudo a mesma coisa? Não seria tudo ilusão – eu inclusive? Impossível dizer. Todo esse cansaço, toda essa escuridão disforme... tudo. Não sei, e tenho impressão de que não saberei nunca. Sinto-me estúpido, incapaz – tantas respostas permanentemente fora do meu alcance. Será mesmo isso a vida? Assim, incerta, inevitável, com vontade própria? Tão complicada, tão contraditória... a vida.
Incenso de sândalo, plantas quase murchas, solidão. Eu me construo em meio à solidão. É o único meio, a única forma. Interferências externas são apenas distrações. Eu só me conheço – e reconheço – quando estou só. A solidão me constitui como parte essencial do meu ser. Eu sou a solidão e a solidão sou eu. No mundo exterior a mim, eu sou apenas um reflexo de mim mesmo, nunca o verdadeiro eu. Assim como todos, assim como ninguém.
A lógica não se aplica nesses casos – em casos como o meu. A lógica nunca fez parte da minha vida, e quando fez, era apenas ilusão, disfarçando uma loucura ainda maior do que aquela em que eu vivia. A minha razão sempre esteve a serviço da minha loucura, do meu caos interior, ou seja: sempre esteve contra mim – como tudo, como todos, como eu mesmo, sempre.
Era como uma dança, eu e a loucura. Não, a loucura era a música, era ela quem ditava o ritmo dos passos, a direção a tomar; eu apenas acompanhava, era conduzido como uma donzela na noite de núpcias, até que a dor vinha e o sangue jorrava – era inevitável, o sacrifício, a minha loucura sempre me sacrificando. Sangue de virgens e nanquim, e a sombra da loucura como a lâmina de uma guilhotina pairando sobre a minha cabeça, sempre, desde sempre e para sempre – eterna condenação.
domingo, 24 de maio de 2009
Não!
(Escrito com lágrimas nos olhos.)
terça-feira, 19 de maio de 2009
Desconhecida
Momento Caio F.
Fernanda (da série "Memórias de Antes de Tudo Acontecer")
Contornos
Revelação
Eterno Retorno
Detesto o gosto do cigarro. O vinho tenta aplacar, mas não consegue completamente. Decadência pura. Gosto de derrota. Ângela canta ao fundo na madrugada fria, “tola foi você / por me abandonar / eu que tinha tanto amor a dar”, mas fui sempre eu que as abandonei, não tenho direito ou coragem de reclamar da solidão.
Vento frio na noite estrelada. Outono. Escrevo no escuro. Tentativas. Buscando alguma nobreza perdida, com o cigarro quase a queimar-me os dedos. Afastando amigos e amores, cada vez mais como um velho lobo solitário de 21 longos anos. Cada vez mais. Às vezes acho que eu não sei amar. Às vezes acho que não quero. Eu sou uma incógnita pra mim mesmo. Será que alguém será capaz de me explicar? De chegar pra mim e dizer, “olha, isso é tudo ilusão, ouro dos tolos, na verdade tu é assim e assado, igual a todo mundo.”? Bobagem, eu sei.
Tinha impressão de que eu havia mudado de ciclo, mas vejo que ainda estou muito preso ao ciclo anterior. Amarguras na mente e na alma. Os mesmos hábitos, as mesmas pessoas, os mesmos vícios. Os mesmos lugares. As mesmas fugas frustradas… tudo uma merda.
Tudo inútil. Tudo ilusão. Desesperos forçados. Escuridão eterna. Tentativas. Meu vocabulário está tão viciado quanto a minha vida. Um em conseqüência do outro, e vice-versa.
Tudo uma merda.
Ilusão.
“Escolhas sem escolha.”
Buscando um fim que não existe.
Uma evolução.
Um amor.
Um amor…
rascunho/esboço/tentativa
Momento de Transição
“Não mais um rosto inchado de mágoa, não mais muros, não mais máscaras: Minha face limpa, e um sorriso apenas.”
E eu só fui entender agora.
A Volta
sexta-feira, 27 de março de 2009
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Caio F.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente – e não importa – essa coisa que chamarás, com cuidado, de “uma ausência”. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás – aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na lagartixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Ficou tão longe o tempo das caudas decepadas das lagartixas, tão longe o tempo dos círculos de fogo em torno dos escorpiões, longe o tempo do sal sobre as lesmas, o tempo dos espinhos no traseiro das formigas, da pedra no peito dos passarinhos. Acendendo um cigarro, pensarás com ironia na lei do retorno. “Aqui se faz, aqui se paga!” – repete uma avó implacável na memória.
E agora: como se houvesse um deus menino, igual ao que foste naquele tempo longe que ficou, decepando cotidianamente a tua cauda (para que a regeneres), criando círculos de fogo em torno de teu corpo (para que te mates), gotejando lentamente o sal sobre tua pele (para que te dissolvas), cravando-te espinhos (para que te contorças) e procurando-te com o bodoque e a pedra afiada (para que te esvaias em sangue) no meio desse mato de palavras onde procuras disfarçar teu medo.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada mas tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
– ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga, mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca..."
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Carta ao Zézim (por Caio F.)
"Você me pergunta: que que eu faço? Não faça, eu digo. Não faça nada, fazendo tudo, acordando todo dia, passando café, arrumando a cama, dando uma volta na quadra, ouvindo um som, alimentando a Pobre. Você tá ansioso e isso é muito pouco religioso. Pasme: acho que você é muito pouco religioso. Mesmo. Você deixou de queimar fumo e foi procurar Deus. Que é isso? Tá substituindo a maconha por Jesusinho? Zézim, vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem.
Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.
Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.
É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na Cultura, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.
Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.
E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.
Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/e do corpo e, ao mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido."
Café
sobre a indiferença
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Um história sobre traças
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Merda-movediça
– Fala.
A notícia boa era que eu não seria pai, e a má era que se eu quisesse comê-la teria que fazer uma baita sujeira. Ela estava louca pra me dar, mas conversando comigo percebeu – e não falou nada – que tinha abortado – e eu também percebi – e não falei nada – e ela teve uma crise de consciência pesada e começou a chorar.
Eu tive vontade de espancá-la, mas ela gostava de apanhar.
Bate que eu gosto... – Ela sussurrava no meu ouvido, e eu virava ela de bruços e batia com força naquela bunda grande e mole – embora ela ainda fosse muito gostosinha.
Deitamos. Eu comecei a masturbá-la com nojo, mas com muito tesão pra conseguir parar. Poderia ter pedido um boquete, mas ela não sabia fazer. Era agoniante. Ela mordia, passava os dentes, beliscava e não fazia nada que prestasse. Há certos boquetes que enternecem o coração da gente. O dela dava vontade de dar-lhe um belo chute no traseiro.
Quando tirei minha mão d’entre suas pernas, ela estava toda manchada de vermelho e fedia. Mas não era fedor de porra: era fedor de sangue velho.
A tentativa de foda não rendeu. Deitamos de novo. Ela chorava e dizia que não merecia estar viva e eu torcia para que ela se atirasse pela janela e agradecia ao meu anjo da guarda por ter decapitado meu filho com sua espada flamejante, enquanto passava a mão na cabeça dela e dizia:
– Não fica assim...
Eu a detestava profundamente. As suas certezas, as suas verdades absolutas, o seu amor, o seu “para sempre”. Ela era uma adolescente problemática e eu não tinha mais paciência para crianças. Mas foi quando ela disse:
– Me come. – Com um olhar que significava:
“Vamos ter um filho?” Foi que eu tive vontade de jogá-la nua porta afora e trancá-la do lado de fora da minha vida para nunca mais abrir.
Não adianta. Eu já tentei. Eu não tenho o dom. Eu não tenho aquela coisa melosa e bonitinha que se precisa ter para que os relacionamentos funcionem.
Eu gosto de uma boa foda, de um cigarro e de uma cerveja. O resto é um monte de merda. Um monte de merda em que estou atolado, e que daqui a pouco vai cobrir a minha cabeça e me matar sufocado. Como areia-movediça. Estou preso em um monte de merda-movediça.
sobre a impulsividade
sábado, 24 de janeiro de 2009
no fear
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Crise
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Epifania-desabafo
Sabe aqueles desenhos da Disney, onde os personagens param em frente a uma bifurcação, onde um dos caminhos é plano, ensolarado e florido; e o outro é tortuoso, escuro, com raios & trovões? Pois é, hoje percebi que eu escolhi o caminho tortuoso, sei lá eu porquê, escolhas sem escolhas, e eu queria tanto estar no outro caminho, tanto...
Bem, vou contar o que desencadeou a minha epifania.
Tudo aconteceu hoje quando, meio sem querer, por descuido, desatenção ou tédio, sei lá, eu acabei parando no orkut de um velho amigo, o George – que eu sempre conheci como Gê. O Gê foi o meu grande amigo de infância, aliás o meu único amigo de verdade até a sexta série – ou doze anos, tanto faz –, e eu sou muito grato à ele por isso até hoje. O Gê sempre foi o meu grande exemplo de tudo o que eu sempre achei que uma pessoa deveria ser para que fosse uma boa pessoa. Educado, gentil, inteligente culto, sempre disposto a ajudar. Acho que ele foi uma ótima influência pra mim – eu seria bem pior hoje se não tivesse conhecido o Gê naquela época. Mas daí eu entrei hoje no orkut do Gê e fiquei tri feliz, porque ele tá muito bem, tá estudando, viajando,fazendo amigos, levando uma boa vida – como sempre esperei que o Gê fosse levar, ele merece. Me bateu até uma nostalgia, saudades de conversar com o Gê, assistir anime, jogar Playstation e futebol no pátio do prédio. O Gê é um cara de muita sorte, ele merece tudo de bom.
Mas daí eu me toquei de uma coisa. O Gê seguiu pelo caminho bonito e ensolarado, méritos dele – é claro. Mas foi aí que eu me dei conta de que eu segui pelo outro caminho, e o contraste foi muito grande – assim como o choque.
O Gê tem a mesma idade que eu, 21, eu faço aniversário em agosto e ele em outubro. Ambos nos formamos no terceiro ano em 2004. Ambos fizemos vestibular na UFRGS em janeiro de 2005, eu pra Relações Internacionais e o Gê pra medicina, e ambos não passamos. Coisa normal, colégios de interior, essas coisas. Mas daí o que aconteceu? O Gê fez um ano de cursinho e passou em medicina na UFRGS – eu sempre soube que ele ia conseguir, o Gê é o cara – e eu... não fiz nada. Pois é, aí que entra a minha epifania. Pois foi a partir do momento pós-vestibular-da-UFRGS que tudo se encaminhou ao desastre e me trouxe ao momento exato em que me encontro agora. Pela lógica, eu deveria ter feito – também – um ano de cursinho e passado em Relações Internacionais na UFRGS. E o que aconteceu ao invés disso? Uma sucessão de erros grotescos na minha vida. Um semestre de Administração na Unisc, morando numa pensão desprezível em Santa Cruz. Um semestre de Comércio Exterior na Univates, trazido à força pra Lajeado – minhas mudanças sempre foram à força, todas elas –, com direito a trancar cadeiras no meio do semestre & à crises suicidas, cortes nos pulsos, caixas de sedativos com cerveja, depressão profunda, psicólogos, psiquiatras, terapeutas, antidepressivos e todo esse caos. Depois o primeiro semestre de 2006 – estão acompanhando? – de total marasmos, sem nada nem ninguém, apenas Legião Urbana e pilhas de livros do Edgar Allan Poe. E depois jornalismo, Univates, Lajeado, cinco semestres, muitos surtos, muita literatura, eu me afirmando como escritor, uma fuga para Buenos Aires, muita bebida e eu assumindo a minha total decadência.
Vocês acompanharam o quadro, não é? (Desastroso.) Então a pergunta da epifania: Por que eu não fiz um ano de cursinho e fui cursar Relações Internacionais na UFRGS? Sabe, eu teria sido feliz sendo um estudante de Relações Internacionais da UFRGS. Sabe, naquele tempo, do ensino médio, terceiro ano, formatura, cursinho, essas coisas todas, naquele tempo eu queria ser diplomata. Por isso Relações Internacionais. Acho que se eu realmente cursasse, além de ser feliz, depois de alguns anos eu realmente conseguiria entrar na escola do Instituto Rio Branco. Eu sempre fui meio inteligentezinho, e com umas forças de vontade aqui e ali, as coisas dariam certo – não é idealização, eu sei que dariam, uma espécie de realidade alternativa, universo paralelo. E eu tenho certeza que eu também seria muito feliz na minha vida de diplomata. Sonhos adolescentes com tudo para se realizarem. Mas então por que eu não fiz a droga do cursinho depois do terceiro ano?!
(Observação: Ok, agora eu vou fazer uma coisa que não se faz, mas que se tornou inevitável diante da situação: eu vou culpar alguém. E não serei eu mesmo. Se tens problemas com isso, pare de ler agora.)
A culpa é da minha mãe. Veja bem, eu não costumo culpar a minha mãe. Eu gosto muito da minha mãe, e eu sei que ela já fez vários sacrifícios por mim, mas nesse caso, a culpa é – quase – inteiramente dela. E a culpa dela se dá em um fato empírico, inegável e que independe de interpretações: ela não quis pagar o cursinho. E o ato de não pagar o cursinho me jogou com a cara no chão do caminho tortuoso e fechou as portas do caminho ensolarado pra mim. Aquilo foi o começo de todo o caos já citado acima, que foi a minha vida nos últimos anos. Aquilo originou toda a depressão, todos os surtos psicóticos, toda a descrença e, por fim, me jogou de corpo & alma no mundo dos livros – a única fuga que me restou.
Se hoje eu sou um escritor decadente, bêbado, que não acredita no amor, nem nas pessoas, nem em nada, que mora sozinho com um gato e decorações estranhas, que é anti-social e não gosta de quase nada, a culpa é, invariavelmente, da minha mãe.
Ok, já desabafei.
Eu ainda estou me recuperando de todas essas percepções repentinas e não tenho mais nada a dizer por enquanto.
P.S.: Desculpem pelos erros de português, não tenho cabeça pra revisar isso agora.
P.S.II: Gê, muita sorte pra ti, porque tu merece. Tu ainda vai ser um grande cara, mais do que agora, eu sei disso. Abraço.
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
domingo, 18 de janeiro de 2009
Noite
Escultura
tio Milan I
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
À F.H.A. (uma pessoa de um passado distante e empoeirado, dos tempos em que eu ainda não era eu)
À beira do mar aberto
domingo, 4 de janeiro de 2009
À melhor
tanto me atormentas em busca de tua divindade perdida
minha linda
cara-metade
alma gêmea
completude
menina de olhos azuis & alma rubra
minha eterna ilusão
minha liberdade.
Medo
sábado, 3 de janeiro de 2009
diálogo
- Porque eu sou egocêntrico & egoísta.
- Tu nunca amou ninguém?
- Não. Ninguém além de mim mesmo.
- Por quê?
- Porque eu tenho medo. Medo de depositar todo o meu amor em outra pessoa. É uma aposta muito arriscada. Eu acho que ela não aguentaria o peso.
- Mas tu é feliz assim?
- Não. Eu sou triste.
- Então por que tu não muda?
- Não consigo. Não tenho forças.
- Que pena...
- É...