sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Escritor & o Psicólogo

– Eu a amo.

Ele analisava. Pose típica de psicólogo. Mão no queixo. Pernas cruzadas. Óculos abaixo da posição correta. Fala pausada.

– Então por que tu não segues em frente?

Uma provocação. Era assim que ele trabalhava. E eu sabia. Percebia claramente a provocação e seus objetivos. Antecipava a sua análise.

– Pra mim o sexo e o amor sempre foram duas coisas quase opostas, antagônicas. É assustador ver a possibilidade de conciliá-los na mesma mulher.

Era verdade. Eu tinha medo. O sexo vazio era seguro e fácil. Eu o dominava. Eu as dominava. Não tinha nada a temer. Quanto ao amor, eu já havia desistido dele há tanto tempo que nem lembrava mais. Tanto que, quando eu a amei, não soube se já havia sentido aquilo antes, algum dia. Parecia inédito pra mim.

– Mas não é justamente isso que tu procuras? Algo novo? Algo diferente? Algo a mais?

Era. Creio que era. Mas eu tinha medo. Medo do amor. As minhas recordações – remotas – sobre o amor eram de destruição e mágoa. Tragédia. Desesperança. Desilusão. O amor nunca me trouxe nada de bom. E ainda havia aquela certeza, uma premonição absoluta, de que, no momento em que eu me entregasse, ela me abandonaria.

– É. Acho que eu estou em um momento de reconstrução interna. E ela é uma peça chave para que esta reconstrução aconteça.

Mas eu não conseguia vê-la como um objeto – como eu vira todas as outras. Eu a amava – e essa certeza era assustadora.

– Então o que tu tá esperando?! Vai lá, fica com ela! Transa com ela! Te permite amá-la!

Sim, eu queria. Aliás, era o que eu mais queria. Mas não era tão fácil. Eu tinha medo. Eu a conhecia muito bem. Três anos de convivência. Nossa relação era única. Todo aquele desejo contido. Aqueles sorrisos. Aquelas ironias. Aqueles toques sutis. Todo aquele amor desvairado represado por barreiras fracas demais durante todos estes anos. As barreiras se romperam. Não há como manter o controle. E não há como eu explicar isso para ele. Nem para ninguém mais. Apenas eu & ela somos capazes de compreender isso.

– Eu a amo. Sempre a amei. À minha maneira. Creio que a atitude dela com relação a mim é semelhante. Acontece que nós nos conhecemos bem demais e tememos um ao outro. Somos inconstantes...

– Mas o amor de vocês não é constante? Não durou três anos?

(Silêncio)

– O meu sim.

Por mais que eu respondesse por ela, não poderia ter certeza. Ela nunca me deu certeza nenhuma. Ela sempre foi uma incógnita na minha vida.

(Silêncio)

– Sabe, ela me disse que sabe que eu vou estar no casamento dela – ela quer casar –, mas que também sabe que eu não serei o noivo.

– E?

– Não sei o que pensar disso.

Mentira. Eu sabia bem o que pensar; o que sentir. Machucou-me. Eu gostaria de ser o noivo. Na verdade, eu nunca pensei realmente se gostaria de casar ou não; mas sei que não vou agüentar essa vida de escritor degenerado pra sempre. Já comecei alguns processos de reconstrução interna. Acho que sim. Que eu gostaria de casar-me; ter um casal de filhos... talvez com ela.

(Silêncio)

– Tu gostarias de ser o noivo?

– Acho que sim.

– E por que tu não deixas ela saber disso.

– Por que no momento em que ela souber, ela vai me deixar.

Era verdade. Pelo menos era no que eu acreditava.

– E se ela não te deixar?

– Não sei.

(Silêncio)

– O que tu esperas dela?

– Amor.

– Como?

– O quê?

– De que forma? Como tu queres que ela demonstre esse amor? Como tu queres que esse amor se realize?

Eu não sabia.

– Talvez em muitas noites de sexo selvagem. Talvez em um casamento com um casal de filhos. Talvez até mesmo em ambos, na simbiose perfeita – nós, que tão ambíguos somos.

(Silêncio)

– E por que tu não dizes tudo isso pra ela?

– Porque no momento em que ela souber, eu irei perdê-la.

Era verdade. Eu sabia. Tinha certeza.

– Tu estás te bloqueando. Assim tu nunca vais te permitir viveres nada. Tu estás estagnado.

Eu sabia. Mas eu tinha medo. Muito medo. Depois de muitos anos ela era uma possibilidade de amor, e eu percebia que a perderia antes mesmo desse amor se concretizar. Ela era minha. Sempre fora. Mas na verdade não seria nunca.

Eu estava extasiado por amá-la; mas aniquilado pela certeza da tragédia.

– Não importa... nunca importou...

Mentira.

(Silêncio)

2 comentários:

Geraldo Brito (Dado) disse...

Interessante...

Anônimo disse...

Alguém me disse para eu vir até o teu blog. Aqui estou.
Li algumas coisas, interessou-me.
Não sei para quê, não tenho nada pra te oferecer. A não ser para que leia o meu.
Até mais, meu caro.