quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A história de Mr. John

John Ravenway era um homem rico e respeitado. Herdara grande fortuna de família e seguira a tradição política de seus antepassados. Era um dos “homens fortes” do parlamento britânico. Morava em uma mansão, que ele mesmo comprara após a morte de seu pai, no mais respeitável bairro londrino. Com exceção do grande número de empregados, a única pessoa que morava com ele era a sua jovem esposa. Sir John era um homem alto e demasiado gordo. Tinha cabelo e barba grisalhos, pois já passara dos 60 anos. Sua esposa possuía 19 anos, mas casara-se aos 15. Fora praticamente comprada, sendo que viu Sir John poucas vezes antes do casamento. A jovem era de média estatura. Tinha grandes olhos negros, e seus cabelos caíam em pesados cachos de ébano até a cintura. Seu rosto era de uma beleza clássica, e seu corpo parecia modelado à perfeição. Chamava-se Kat.

Kat Ravenway sofria frequentemente seções que podem ser definidas como estupros. Além de ser espancada, também com freqüência, pois Sir John acreditava ser dela a culpa pela ausência de filhos do casal. Kat possuía uma criada destinada única e exclusivamente a atendê-la. Chamava-se Lisa, e era um ano mais nova que Kat. Era uma jovem alta e excessivamente magra. Possuía longos cabelos louros que pareciam um véu da mais fina ceda a cair sobre ela. Sua pele era de incrível palidez, e seus olhos de um magnífico azul-celeste. Lisa tornou-se a confessora de Kat, e elas tornaram-se melhores amigas. Afinal, dividiam certas angústias, uma vez que Lisa também era vítima dos freqüentes estupros de Sir John. O político respeitável e grande benfeitor da sociedade londrina, para elas não passava de um monstro. Unidas pela dor, um grande amor nasceu entre as duas jovens.

Por um ano manteram seu relacionamento em segredo, e continuaram a viver sob domínio de Sir John. Quando chegou a época de eleições no parlamento, Sir John tornou-se demasiado ocupado, a ponto de raramente aparecer em casa. Foi nesta época que as jovens decidiram fugir. Kat entregou todas as suas jóias à Lisa, e ordenou que ela vendesse-as secretamente. Feito isso, ainda sob as ordens de Kat, Lisa foi ao porto e comprou duas passagens para a América, com partida marcada para o dia das eleições do parlamento. Kat sabia que nos dias próximos à eleição Sir John certamente não teria tempo de ir para casa.

O dia finalmente chegara, e Sir John Ravenway fora eleito primeiro ministro britânico. Toda a ambição de uma vida fora coroada naquele instante. A comemoração foi até altas horas da madrugada, nos bordéis mais luxuosos de Londres. Sir John chegou em casa junto com os primeiros raios da aurora. Todos os empregados esperavam-no na porta, exceto Lisa. Mas ele não deu muita importância ao fato. Mais tarde ele teria a sua comemoração com a loura. A ausência de Kat causou-lhe uma grande curiosidade, e ele considerou tal atitude um enorme desrespeito. Haveria de dar um corretivo em sua esposa. Mas o que mais lhe chamou a atenção não foi a ausência das duas moças, mas sim a expressão dos empregados que vieram recebe-lo. Ele esperava grande alegria e entusiasmo, mas os seus empregados estavam visivelmente constrangidos, poder-se-ia dizer, até mesmo, apavorados.

– Que caras são estas? – Indagou Sir John. – Hoje o dia é de festa! Vamos comemorar a minha vitória!

Então Charles, o mordomo, deu um passo à frente e disse, como se anunciasse um enterro – Lady Kat e sua criada pessoal Lisa desapareceram. Inicialmente pensamos que elas pudessem ter sido seqüestradas para forçar o senhor a desistir da eleição, mas após examinarmos os aposentos das moças, tornou-se evidente que elas fugiram. Levaram suas roupas e objetos pessoais, inclusive as jóias de Lady Kat. Todas elas.

Transcorreram cerca de dez minutos, que mais pareceram uma eternidade, até que Sir John se recuperasse do choque e conseguisse falar. Com um brado furioso ele ordenou: – Encontrem-nas! Procurem na estação de trem e no porto! Eu as quero aqui antes do meio-dia! Encontrem-nas! E não ousem voltar de mãos vazias! Encontrem-nas! – Mas já era tarde demais. O navio havia partido para a América no início da noite.

Sir John, utilizando a influência de seu novo cargo, conseguiu rapidamente as listas de passageiros dos navios que haviam saído do porto naquele dia. Não tardou a encontrar o nome de duas mulheres, estando elas na mesma cabine, Kat utilizando seu nome de solteiro, Angwood. Sir John ficou tão transtornado ao confirmar que sua esposa e sua concubina haviam fugido juntas, que destruiu seu quarto em um ato de extrema fúria.

No mesmo dia Sir John Ravenway renunciou ao seu cargo de primeiro-ministro e à sua posição no parlamento. Antes mesmo do dia terminar, demitiu todos os empregados e vendeu sua casa em Londres, mudando-se para um hotel, levando apenas duas mudas de roupa e seus objetos pessoais. Ao final daquela semana, Sir John havia vendido todas as propriedades da família na Europa, e na noite do sétimo dia após a fuga das jovens, Sir John pegou a fortuna que tinha em mãos e embarcou para a América. Em sua mente havia um só pensamento: vingança!

Já fazia seis meses que Kat e Lisa moravam na América, e sua vida era tranqüila. Ao chegarem ao porto de Boston elas decidiram dirigir-se à Nova Iorque, onde se estabeleceram. Usaram o que sobrara da venda das jóias de Kat para comprarem um casarão, em um bairro calmo da cidade, e ali abriram uma pensão. As moças viviam bem, mas sabiam que jamais poderiam assumir o seu relacionamento, pois a sociedade moralista nunca admitiria o amor entre duas mulheres. Então, continuavam a amar-se em segredo. Elas souberam da renúncia e do desaparecimento repentino de Sir John, mas jamais cogitaram a hipótese dele ter vindo atrás delas. Não pensaram mais nele, elas queriam deixar as lembranças ruins no passado, e viver uma vida feliz.

Ao chegar ao porto de Boston, Sir John Ravenway chamava-se John Crow. Um simples empreendedor inglês que veio tentar a vida na América. Encontrou dificuldades para seguir os passos das moças, e somente após passar três meses em Boston, descobriu que elas haviam se dirigido para Nova Iorque. Lá chegando, John levou mais um mês para encontrar a pensão. Mas ele não se revelou às jovens. Descoberto o seu paradeiro, ele não precisaria ter pressa. Comprou uma mansão em um bairro próximo ao da pensão, e abriu uma firma de advocacia, a Crow Law & Order, cujo símbolo era um grande corvo negro que levava uma balança prateada no bico. John era formado em direito, e sua notável habilidade mostrou-se de forma intensa, sendo que ao final de um ano em Nova Iorque, a Crow Law & Order era uma das mais reconhecidas empresas de advocacia da cidade. Sua enorme habilidade como advogado só era superada pelo seu incomparável talento com as finanças. John havia aumentado de forma imensurável sua fortuna, e ficara tornara-se um dos advogados mais ricos da América. Ao final de um ano naquela cidade, já tendo consolidado o nome de sua firma, ele deixou-a nas mãos dos advogados que cuidadosamente escolhera. Agora ele poderia dedicar-se ao verdadeiro motivo de sua existência: a vingança!

John Crow era agora um homem de magreza esquelética. Os olhos negros eram encovados, e ele não possuía mais barba. Seus cabelos, outrora grisalhos, estavam completamente brancos, e ele andava levemente curvado. Com intenso treinamento, ele extinguira seu sotaque britânico, substituindo-o pelo falar típico dos nova-iorquinos. Era provável que nem sua própria mãe o reconhecesse. Isso facilitaria a sua aproximação das moças.

Kat e Lisa dormiam no terceiro andar do casarão. Seus quartos possuíam uma porta que os interligava. O quarto de Kat era mobiliado com uma cama de casal, onde as duas jovens secretamente dormiam juntas todas as noites.

John Crown havia contratado um detetive particular para informar-lhe sobre as moças. Este senhor, de nome Paul, estava hospedado na pensão delas já haviam seis meses, sendo que entregava um relatório semanal ao senhor Crown, de forma que John já conhecia toda a rotina das jovens inglesas.

Certa noite, já passado das onze horas, John Crow estacionou uma carroça em frente à pensão das moças. Todas as luzes já se encontravam apagadas. John esperou alguns minutos, até que Paul, silenciosamente, abriu a porta lateral do casarão. Os dois carregaram várias caixas ao porão. Quando acabaram, John deu uma significativa quantia ao homem, e mandou-o desaparecer da cidade, para sempre. Paul já estava com a sua mala pronta, e partiu imediatamente, deixando John Crow no porão da pensão, com dez caixas fechadas. Ao ficar sozinho, John sentou-se em silêncio por alguns minutos. Finalmente, abriu uma das caixas e retirou uma dentre muitas bananas de dinamite. Ele emendou a esta um longo pavio, que chagava até a porta lateral da velha casa. Já do lado de fora, ele pegou uma caixa de fósforos, e os seus olhos se iluminaram com o prazeroso sabor da vingança.

– Finalmente: vingança! – murmurou para si mesmo. Então abaixou-se, riscou um fósforo, acendeu o pavio, e saiu em uma corrida desenfreada. Já estava longe quando a descomunal explosão fez tremer o chão aos seus pés.

– Finalmente: vingança! – murmurou novamente, com o brilho da loucura em seus olhos, enquanto observava a grossa coluna de fumaça que se erguia onde fora a pensão das moças.

As investigações da polícia não chegaram a nenhuma conclusão relevante, motivo pelo qual o inquérito foi arquivado. Depois daquela fatídica noite, John Crow reassumiu seu posto na Crow Law & Order, e voltou a ser o respeitável advogado de Nova Iorque. Menos de seis meses depois do assassínio, ele casou-se com uma senhorita nova-iorquina, de 18 anos de idade. Chamava-se Mary. Nos dois primeiros anos de casamento tiveram duas filhas, de nomes Katherine e Elisabeth. No terceiro ano, Mary Crow não resistiu à tuberculose, e veio a falecer.

John Crow era um dos homens mais ricos da América, dono da maior empresa de advocacia do país. E agora, aos 71 anos, estava viúvo, com duas filhas de 2 e 1 anos para criar. John mal parava em casa após a morte de sua mulher, a quem realmente amara, e tratara como uma rainha. E ela também o amava, o que tornou ainda mais dolorosa a perda de John. Ele não conseguia olhar para as meninas sem lembrar-se de sua querida Mary. Justamente por isso, após enviuvar, John não dava nem uns poucos minutos de atenção e carinho para elas.

Aos 80 anos John parou de advogar, embora conservasse o controle acionário da Crow Law & Order. Decidira dedicar-se à literatura jurídica. Katherine tinha 11 anos e Elisabeth, 10. A primeira possuía longos cabelos, negros como ébano, que lhe caíam em cachos até a cintura. Tinha olhos negros de azeviche e um corpo demasiado curvilíneo para a idade. Era uma linda menina-moça. Elisabeth era demasiado alta para sua idade. Seus longos cabelos louros extremamente finos assumiam um tom muito claro de dourado. Era mais magra que sua irmã, e possuía os olhos de cor azul-celeste. Elas assemelhavam-se muito com Kat e Lisa, o que deixava John profundamente perturbado, e constituía mais um motivo para ele evitar a presença delas.

Em certa noite de tempestade, John dormia profundamente em seu quarto, após algumas doses de brandy. As meninas entraram, silenciosamente, arrastando um grande saco de estopa. Elas amarraram as mãos e os pés do John com lenços de seda negra. Devido ao brandy, ele só acordou quando já estava sendo amordaçado. Tentou gritar e livrar-se furiosamente, mas seu fôlego já não era o mesmo de outrora, e em pouco tempo aquietou-se. Ficou deitado, imóvel, observando as meninas com olhos arregalados, num misto de raiva e medo. Elas estavam calmamente sentadas na beirada da cama, com um sorriso sinistramente perverso. Sem dizer uma palavra sequer, elas entregaram-se a um longo beijo. Sem nenhuma pressa, deliciando-se com o momento, elas vieram a ter, em cima do velho amarrado e amordaçado.

Passadas duas horas, elas levantaram-se e vestiram-se. Katherine aproximou-se de John e disse-lhe com um sorriso de satisfação – adeus pai – e deu-lhe um beijo na testa. Elisabeth permanecia imóvel ao lado da cama. Katherine remexeu o grande saco que estava sobre o tapete, e dele tirou uma navalha suja e enferrujada. John entrou em pânico. Tentava soltar-se freneticamente. Mas seus abafados gritos de horror mal eram ouvidos no aposento. As meninas ficaram paradas a observar-lhe. Quando John perdeu as forças Katherine aproximou-se dele, e com um golpe certeiro cortou sua garganta de um lado a outro. Elas ficaram imóveis assistindo John contorcer-se enquanto o sangue encharcava os lençóis de seda. Até que, finalmente, ele aquietou-se.

As meninas retiraram do saco um mendigo de horrível aparência. Em suas costas havia algo cravado, algo com o cabo de prata encravado com rubis. Elas jogaram-no sobre o corpo de John. Katherine colocou a navalha com que matara John na mão do mendigo, e recolheu os lenços de seda e o grande saco, entregando tudo a Elisabeth. Elas despediram-se com um longo e ardente beijo. Elisabeth foi para o seu quarto, onde guardou os lenços de seda, e jogou o saco de estopa pela janela. Os cachorros imediatamente entreteram-se com ele, rasgando-o e levando os pedaços para o canil, onde se perderam entre os panos velhos que forravam suas camas.

Katherine permanecera no quarto de John, e após exatos 10 minutos, começara a gritar desesperadamente.

O relatório da polícia chegou à seguinte conclusão: “Um mendigo, de identidade desconhecida, invadira a casa do senhor John Crow e subira ao seu quarto, onde cortara sua garganta com uma navalha enferrujada. A filha do senhor John, Katherine Crow, acometida por uma insônia, ao sair de seu quarto em direção à cozinha, deparou-se com a porta do quarto de seu pai totalmente aberta. Como este não era um fato comum, ela encaminhou-se para o quarto do senhor John e, ao chegar à porta, deparou-se com o mendigo debruçado sobre o corpo ensangüentado de seu pai. Num impulso, a senhorita Katherine pegou seu prendedor de cabelos e enterrou-o nas costas do mendigo. O mendigo caiu morto sobre o corpo do senhor John, e a senhorita Katherine começou a gritar desesperadamente, o que levou os empregados da casa e a senhorita Elisabeth Crow, também filha do senhor John, ao quarto. Como já foi dito, a identidade do mendigo é desconhecida, mas estipula-se que era um homem que fora prejudicado pela ação do senhor John Crow como advogado, e em virtude disso perdera todos os seus bens, vindo a se tornar mendigo. Isto constituiu o provável motivo. É desconhecido o modo como o mendigo entrou na mansão Crow.”

John Crown não possuía um testamento, de modo que Katherine e Elisabeth, como suas únicas filhas, herdaram toda a sua fortuna. Uma semana após o enterro de seu pai, as meninas venderam todas as ações da Crow Law & Order. Em um mês venderam todas as suas propriedades na América. De posse de imensa fortuna, compraram uma grande casa de campo nos arredores de Londres, e para lá se mudaram, a fim de viver suas vidas na tranqüilidade do campo, livres para deliciarem-se com todo o amor que possuíam uma pela outra...

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Na falta de inspiração, eis o que me inspira

"O exagero pra mim não há. Na verdade, ele sai de uma pura comparação com os outros. Mas vocês, também seres humanos, escolheram isso. Eu não. Eu escolhi viver na desgraça ou na euforia. E é essa maldita escolha que me pesa todos os dias, com qualquer palavra ou ato ou olhar que possa parecer atravessado. O mundo termina fácil, e a vida recomeça num instante."

"Não sou feliz. Ninguém é. E isso não é ruim. Não é, acredite. Meu "quero tudo, e quero agora" tem um sentido, objetivos e planos, mas sem deixar de vivê-los agora. Quero o extremo da euforia, da alegria, do prazer; e quero também o extremo da tristeza, do desespero e da dor. Só isso nos transforma; e é pra isso que eu vivo agora. Pra me transformar, e transformar quem quiser. Não mais um rosto inchado de mágoa, não mais muros, não mais máscaras: Minha face limpa, e um sorriso apenas. E muita vontade de ir além do que é permitido, de ultrapassar os limites da razão e da loucura, e de não se arrepender. Somente aprender, e ensinar."

Textos by Carla Marcolin, "bailarina, egocêntrica, escandalosa..."



P.S.: Sexta vou-me embora para Vila Tamanduá.