sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Vincent

And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted - nevermore!


terça-feira, 27 de novembro de 2007

Tarja-preta

Eu falei que era muita cafeína. E sempre me aparece uma mulher tarja-preta. Cara, de onde elas vêm? Esta, em especial, vem lá de longe. Vício. Na certa. Ainda mais pra alguém como eu. Parado aqui, esperando alguma coisa em que se viciar. Dança, dança, dança. Cara, o que foi aquilo? Foi ilusão. Foram os efeitos de alguma daquelas drogas. Não, não é real. É só mais um conto do Kafka. É só um ópio contemporâneo. De primeira qualidade. Foge cara, foge enquanto é tempo. Bebe mais. Dança, dança, dança. Luzes. Que coisa doida! Pega, puxa, beija, foge, transa, volta, bebe, dança, delira. Já tá viciado. Aqueles olhos, cara. Fissura! Aquela boca. Aquela dança que mais parece uma transa com aquelas outras meninas. Fodam-se as outras! Cara, que corpo. “Demasiado humana.” Cheia de vontades e desejos e luxúrias. Deixando todos alucinados. Cara; tarja-preta. Me deixa alucinado como leão que sente o cheiro de leoa no cio. Sinto seu cheiro, sinto seu gosto. Química, é coisa de pele. Quando tu pega, tu já sabe. É tarja-preta. Um beijo é letal. Tu sabe, quando as suas línguas molhadas se tocam, que tu vai morrer. Seja por overdose ou por crise de abstinência. E ela vai continuar viciando meninos e meninas por aí. "Mulheres tarja-preta, contra-indicadas, que causam dependência física e psíquica." E eu já estou viciado.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Compreensão

Sentei-me aqui novamente. Como nos dias de outrora. Sentei-me no mesmo lugar. As duas almofadas de couro nas costas. O tapete felpudo sob mim. A velha e conhecida dor de cabeça permanente. A dor na nuca por se debruçar horas a fio em cima de livros e cadernos sem sentido. O estômago revirado de álcool e comprimidos variados. O gosto de café amargo quase doce, com muito açúcar, na boca. O suor. O cheiro de suor. A camisa encharcada. Chegou um novo verão. Que é como os velhos verões. Todos os verões são iguais. Quentes como desertos. Quentes como o inferno. Também chegaram novas angústias e amarguras. Elas sempre chegam. Culpas severas. Dilacerando a alma em mordidas pequeninas. Segundos que se tornam minutos que se tornam horas. E as mordidas pequeninas continuam. Até que se forma um buraco enorme dentro de mim. E eu caio naquele abismo infinito de dentro de mim querendo voltar e não querendo votar e querendo me segurar e não querendo me segurar e as mordidas pequeninas continuam e o buraco vai aumentando e eu vou caindo cada vez mais fundo até me perder de vista. E quando eu me perco de vista há dois caminhos possíveis: a morte ou aquele caminho que me é desconhecido. Geralmente quando as pessoas caem tão fundo elas optam pela morte. O outro caminho parece ser muito mais difícil, parece não valer a pena tanto esforço pra voltar a esta vida miserável que temos aqui. E isto é tudo o que temos aqui: uma vida miserável. Por mais que tenhamos muito, de qualquer coisa, dinheiro ou talentos, nós somos miseráveis, por condição básica de existência, e nós temos vidas miseráveis, pois é tudo que podemos ter.

O tempo passa. Passaram-se anos e eu voltei para o mesmo lugar com os mesmos sentimentos e pensamentos. Solidão e fascínio pela morte. Afinal, a morte pode ser um fim ou pode ser um novo começo. E as duas idéias me parecem extremamente agradáveis. Fatalidade ou liberdade.

Estas percepções de hoje, por mais variadas que possam ser, não me satisfazem mais. Novas ou velhas, intensas ou superficiais, permanentes ou passageiras, a verdade é que eu estou cansado das minhas percepções. Até hoje elas só me levaram a um mesmo lugar, sempre. Este velho buraco escuro, que eu conheço tão bem, em seus mínimos detalhes, cada rachadura negra, e eu aqui, jogado pelas minhas percepções, aprisionado por mim mesmo, sozinho neste velho buraco escuro de rachaduras negras. Jogando xadrez com a morte. De quantos xeques eu conseguirei me salvar? Não sei.

Fecho os olhos e tento dormir sabendo que não vou conseguir. Minha boca seca. Penso em amores perdidos e ilusões despedaçadas. Suo, estômago e cabeça doem. Estou sozinho. Sempre e para sempre. O que há de tão glorioso em ser? Em existir? Acho que estou deixando de ser existir e talvez de viver, esperando que esta não-vida, esta aceitação de tudo que não é, me leve a algum lugar, algum lugar quase próximo de... de mim mesmo. Não há que se entender nada disso. Há que se buscar ou aceitar ou fazer qualquer outra coisa dessas que não sei se vai entender mesmo. A ação é contrária ao entendimento. O cérebro e o corpo não funcionam ao mesmo tempo. Você nunca entende porque age a sempre age sem entender. Isto é viver existir ser. E quando você opta pelo contrário, não se sabe o que acontece. Porque é assim que as coisas são. E é assim que as coisas não-são. O sentido da vida está na não-vida. E quem deseja encontrar a si mesmo deve optar por algo diferente de tudo. De tudo que existe. De tudo que é. E aí, talvez saiba. O que ninguém mais irá saber. Nunca. Assim é a vida.

Por mais que as pessoas sejam seres por demais complexos para serem entendidos, há algumas características em comum que podem ser notadas. Por exemplo: tristeza e crueldade são armadura e proteção das pessoas mais fracas, das pessoas que mais necessitam de carinho afeto compreensão aceitação essas-coisas. Quando olhamos no espelho, vemos apenas o queremos ver, não vemos o conjunto. Vemos apenas o que acreditamos ser no momento. Por isso nossa imagem no espelho é diferente a cada dia. Seja melhor ou pior. E quem vê todos os dias a mesma pessoa no espelho? Quem tem uma vida vã, inútil.

Os seres humanos são essencialmente sentimentais e isso os torna fracos e desesperados. Sentem-se incompletos, e por afobação, procuram nos outros o que deveriam procurar em si mesmos. E obviamente nunca encontram. Aí está o desespero: nas eternas buscas frustradas. A fraqueza está no sentimento em si. Sentimentos, independentemente de sua natureza, nunca são bons para as pessoas. Não dizem que anjos são seres assexuados? Pois eu digo que anjos são seres “assentimentalizados”, por isso são anjos, por isso são perfeitos. Sentimentos são o castigo que a humanidade inflige a si mesma. O mal das pessoas são muitos sentimentos e poucos pensamentos. Pensamento é produto em falta nos seres humanos.

Existe aquela coisa de se pensar diferente – para os que pensam – como forma de fuga da realidade ou fuga da existência, que na verdade não passa de uma fuga de si mesmo, uma vez que nós somos a nossa própria realidade existência, eternamente aprisionados em nós mesmos, como uma condenação: seja você mesmo. Sem direito à apelação na Corte da Vida.

Minha cabeça dói absurdamente. Tento dormir e fico pensando nas coisas ruins que me aconteceram, tentando esquecê-las. Bobagem! São as coisas ruins que realmente importam, através delas que aprendemos e crescemos. As “coisas boas” são insignificantes para as nossas vidas. Na verdade, as “coisas ruins” é que são as “coisas boas”. E todo mundo passa a vida inteira tentando evitá-las.

O problema acontece no momento em que perdemos a paciência para criar assuntos. Aquela coisa de se construir e reconstruir, dia após dia, tentando dar algo de bonito e interessante para os outros, para que pensem que a nossa companhia vale à pena, e que é melhor que a solidão, mesmo que no fundo todos saibamos que nenhuma companhia é melhor que a solidão. A solidão nos dá a chance de conviver com nós mesmos, uma convivência muito mais intensa que qualquer outra. E muito mais válida. Houve uma época em que eu gostava de pessoas ao meu lado. Quase me lembro a razão. Como eu era ingênuo.

E tem aquela coisa de Ler Clarice e chorar. Sentir aquela agonia doída de viver. E pensar. Desvendar a alma humana em todas as suas baixezas e se ver dentro de tudo isso. Perceber que há inúmeras possibilidades, eternas promessas vazias feitas por nós para nós mesmos, mas não há fuga. Perceber que podemos passar a vida sem nos conhecermos, e que mesmo assim, não conseguiremos fugir de nós mesmo. É aquela coisa de verter sentimentos em lágrimas e pensar até a exaustão em uma solução que não existe. É viver. E se saber vivo, pessoa, ser humano. Sendo e existindo. Imundo de corpo e alma. Buscando o vazio por não agüentar mais a exaustão das agonias de viver existir ser sentir. Por isso: eu choro.

Tenho sentido muitas dores de cabeça ultimamente. Mais que o normal, mais intensa que a minha dor-de-cabeça-permanente. Na parte de trás da cabeça, como se o cérebro quisesse explodir pela nuca. E talvez queira. Afinal, deve estar exausto e fatigado. É por isso que insiste em me dizer: “Por que você não pode ser como as pessoas comuns e me deixar em paz?” Desculpe-me, não posso. Preciso de você, o tempo inteiro, não exploda ainda, ainda temos um caminha à trilhar, agüente firme ao meu lado – ou na minha caveira – companheiro fiel, seremos eu e você que traremos alguma luz à esta escuridão perpétua que envolve à tudo e à todos, e acordaremos os seus companheiros descansados. Ou pelo menos tentaremos. Daremos o melhor de nós... até o fim.

As obviedades que me matam. A subjetividade que me salva.

De certa forma, a dor é o que nos faz sentirmo-nos vivos. E o medo. E a raiva. E o ódio. E todos os sentimentos ruins. Os bons também, mas não com tamanha intensidade. Todos queremos viver, é bom, é um êxtase. O que eu quero dizer é que viver vicia. Sentir vicia. E neste tipo de vício as drogas mais pesadas são o medo, a dor e o ódio. Sucessivamente. Primeiro vem o medo de que algo ocorra, depois a dor por ter ocorrido, e por último, o ódio do motivo pessoa que fez ocorrer. E pronto: sente-se vivo. Está viciado. Em viver. E em sofrer. Pois a forma mais intensa de se viver é sofrendo. E é a dor que sempre fica, cicatriz marcada a ferro e fogo na alma, para sempre, que lateja nos dias de melancolia.

Tenho uma alma muito pesada. E por mais que eu tente, não consigo fugir à isto. Não consigo livrar-me deste peso. Eu sou este peso escuro dolorido. Então, o que me resta? Parar de tentar fugir. Aceitar-me. Por pior que seja. E esperar que isto tudo meio embaçado que sou eu me leve a algum lugar. A uma compreensão. A mim mesmo. A mais um eu, escondido em outra profundidade mais profunda, um eu mais escuro e mais sábio, para juntar-se à todos os outros eus que já habitam em mim.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Bêbado

Ok. Não me deixe falar, pois estou bêbado. Completamente bêbado. Mas o importante é que as coisas são assim. Insolúveis. E as lágrimas brotam nos meus olhos. Eu sou aquilo que não podia ser e sou aquilo que os outros não são. Eu sou o caos. Eu sou, simplesmente, eu mesmo.

O Personagem

A partir do momento em que você cria um personagem, você perde o controle sobre ele. Um personagem é em si. Ele tem sua própria história e sua própria vida. A partir do momento em que um personagem é criado, ele ganha autonomia. Um personagem não faz o que seu criador quer que ele faça, ele faz o que precisa fazer. Um personagem faz o que foi criado para fazer, independentemente da vontade consciente ou inconsciente de seu criador. Um personagem, simplesmente, vive a sua vida.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Coisas.

Por que a intensidade dói?

Vou até a sacada sentir o cheiro da noite. Cheiro de poluição suja e de vidas imundas. Gosto amargo de canela na boca. Desejos e ânsias. O corpo quase não cabe em si mesmo de tanta vontade. Sei lá de quê.

Talvez de se jogar. De cabeça. Lá embaixo. No asfalto escuro.

A noite traz saudades.

Saudades de passados, presentes e futuros. Saudades de cores e amores. Saudades de dias entre as noites e de momentos entre os vazios. Saudade de calor no meu coração frio. Saudade de vida na minha existência.

Tudo isto que sou eu é um grande nada. Vazio. Abstrato. Além do entendimento.

Escuro e frio.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

...

você acaba com o meu frágil equilíbrio.

é.

bah, que merda. machuquei os joelhos transando no chão do corredor.

domingo, 11 de novembro de 2007

by Cris

"As mulheres agem com a coragem cega dos sonâmbulos."

quer saber, e daí?

eu sei que não devia. eu realmente não devia. mas foram os beijos mais gostosos da minha vida.

08/12/2006 - 11/11/2007

sábado, 10 de novembro de 2007

escolha.

É uma questão de escolha. As pessoas querem casar, ter filhos, um jardim com flores e um cachorro babão. Eu quero um apartamentozinho alugado em uma metrópole poluída e, no máximo, um gato.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

¬¬

eu não tenho escolha. eu tenho que ser quem eu sou.

...

todos os dias eu digo e repito pra mim mesmo: cara, a tua fase depressiva e suicida foi há dois anos. já passou.

as vezes eu quase acredito. (ou não)

Tipo... tudo isso... saca?

– O que tu tá fazendo?

– Tô procurando uma parede pra socar.

(Tédio absoluto. Tão absoluto que desespera.)

– Pra quê?

– Pra ver o que acontece...

– Não vai adiantar nada...

(Nada adianta nada. Tudo adianta menos que nada...)

– Acho que tu estás muito caótico ultimamente...

– Vai te fuder!

– E muito agressivo...

– Quem se importa...

– Um monte de gente...

– Ninguém se importa!

(Ninguém entende. Então ninguém se importa. Quem é que consegue se importar de verdade com algo que não entende?)

– Fica tranqüilo...

– Eu vou fugir.

– Pra onde?

– Pra qualquer lugar bem longe... pro Peru, pro Nepal, pra Nova Guiné, pro Piauí...

– Não vai resolver...

(Eu nunca consigo fugir de mim mesmo...)

.

- E tu, vai chorar as tuas mágoas também?
- Não, eu sou insensível.

(Pseudo-diálogo comigo mesmo)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Aconteceu.

- O que tu estás fazendo perdido no mundo, Ryan?
- Eu sou perdido no mundo.
- Graças à Deus.

(Diálogo com a professora Rosane nos corredores da Univates)

domingo, 4 de novembro de 2007

Fuck.

Fuck all this shit. Fuck the coffee. Fuck the love. O que me importa? O que te importa? Fuck. Consciência de si mesmo e dos outros e do mundo... não serve pra nada! “Nós ainda somos os mesmos...” Pra que tudo isso? Todas estas angústias e desesperos. É tão mais fácil só se divertir e viver. Esquecer planos e objetivos. Viver um pouco. Viver muito. Eu só queria não ter mais que ser... fugir de mim mesmo. Morrer e renascer. Outra pessoa. Que não seja este conjunto de intensidades extremas. Não mais uma fera escura com sede de sangue e sentimentos. Uma outra coisa qualquer. Uma pedra ou uma árvore. Mudança mudança mudança. “Não tem volta.” Eu sou o que sou. Eu vivo na minha própria maldição. Então... fuck all this shit. Vou dançar tango e me dolorir. Vou dançar rock e chorar. Vou dançar aquilo e viver. Vou agoniar a mim mesmo e a todos à minha volta até quê. É o meu dom: a agonia. É a minha existência: o desespero. Boto álcool no café. Tomo um banho e saio na noite. Ando, danço, me alucino. Vivo! E me dôo todo, até a última gota. “...depois deito, depois durmo...

sábado, 3 de novembro de 2007

Cena 1 – O Diálogo (by Ryan & Pam)

Bate na porta.

Ele: – Tá aí?

Ela: – Ahm... Acho que sim...

Ela sorri por trás da porta.

Ele: – Acha? O que que tu tá fazendo? Ele tá aí?

Ela sorri de novo.

Ela: – Não. Ele tá viajando...

Ela sorri ainda mais, e se segura para não gargalhar, escorada com as costas na porta.

Ele: – Hum... O que que tu tá fazendo? Não vai dormir? Não vai sair?

Ela: – Não... Adivinha...

Ela sorri. Chama seu nome três vezes.

Ele: – O quê?! O quê?!! O quê?!!!

Ela abre a porta. Eles se abraçam e se beijam no rosto. Vão para a sala e sentam-se no sofá macio. Há uma garrafa de vinho pela metade e duas taças na mesinha de centro.

Ele: – Vinho! Vamos beber... E vamos aproveitar a noite que não traz nada de bom... A noite vazia parada entediante...

Ela: – Ai meninooo!!! Tô fazendo a análise daquele livro, tu não lembra...

Ele: – O quê? Vamos beber vinho gelado e esquecer a falta de corpos quentes...

Ela: – Eu estou em casa fazendo trabalho. Amanhã eu tenho que acordar às oito da manhã e viajar pra ir ver o meu avô que está no hospital. Vou ter que ficar lá até domingo. Sábado vou visitar minha amiga. Não dá pra beber hoje!!!

Ele: – Então não vai amanhã... Tu nem quer ir... Por que tu faz coisas que não quer? Não faz sentido... Então conversa comigo até a manhã chegar... Me conta a tua vida... As tuas desilusões passadas, os teus medos futuros... Os teus desesperos presentes... Me conta tudo!!! Ou não...

Ela passa a mão devagar no rosto dele.

Ela: – Hey... O que foi menino?

Ele: – Nada não... Só desespero sei lá de quê...

Ela: – Hum...

Ele: – Eu só queria um pouco de... Algo que eu não tenho...

Ela: – Hum... Só não fica achando que tu é o único a se sentir assim... Porque não é.

Ela sorri pra ele.

Ele: – É que eu to me encontrando comigo de novo... E isso é... Desesperador... Eu tinha me esquecido de mim mesmo... E estava tudo naquela calma entediantemente serena... E daí, eis que no meio de uma taça de vinho, eu me deparo comigo mesmo, e o pânico vem. E agora o que faço?

Ele olha para ela com desespero.

Ela: – Se aceite.

Ele: – “Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?”, saca? Tudo isto que sou eu é tão... Absurdo... E dolorido... Eu sou desespero... Todo eu...

Ela: – Todos somos... Mas você não consegue ver dentro de todos... O absurdo é a vida... Pra mim pelo menos...

Ela olha para a janela com um olhar melancólico.

Ele: – Não! O absurdo somos nós! A vida é fácil... Nós que não nos encaixamos nela... Provavelmente porque pensamos...

Ela: – É... Pode ser... Eu não acho que devamos pensar muito... O muito nos faz absurdos... Ou sei lá também...

Ele: – Não é questão de muito ou pouco, é pensar! A vida não foi feita pra pensar. É o pensar que nos destrói... Nos desespera... Mas ao mesmo tempo... Nós somos o que pensamos... É tudo que nos resta... Então ficamos neste eterno dilema: viver ou ser?

Ela: – Sim... E por que tu pensa nisso então?

Ele: – Eu já fiz a minha escolha. Eu não vivo. Eu sou... E o que me resta se todos os outros vivem enquanto eu sou?

Ela: – Então não é hora de parar de pensar? Se a escolha está feita... Mas eu não acho que esteja...

Ele: – Não tem volta. Eu já fui longe demais, eu já fui fundo demais... Não tem volta pra mim... E mesmo que tivesse...

Ela: – Tu não quer.

Ele se desespera.

Ele: – O que eu poderia querer do mundo?! E das pessoas?! Não quero nada... Eu sou o desespero. E mais nada. Eu não pertenço ao mundo.

Ela: – Tu tá te fazendo assim... Tu não é assim...

Ele: – Não sei... Sinto aquilo que não consigo explicar... Mas não é bom... Nunca é bom... Não pra mim...

Ela: – Ninguém explica o que sente.

Ele: – Eu não nasci pra ser feliz, esta é a verdade. É fato consumado. E que assim seja.

Ela: – É tu que tá dizendo... É tu que tá fazendo ser assim...

Ele: – Sou eu que sou... O tédio da vida consome. O pensamento transcende e salva. Felicidade é ilusão... Tudo o que existe são perspectivas, pontos de vista... Não há realidade...

Ela: – É... E tu sempre escolhe a pior perspectiva... O pior ponto de vista... É tu que escolhe a tua vida... E no fundo tu sabe que ela não é tão ruim... E que tu não é tão ruim... E que todos sabem disso...

Ele: – Eu sou uma pessoa horrível... Mesmo que tu nunca admita... Ou saiba de verdade... Eu sei que bem lá no fundo tu consegue sentir... Eu sou uma pessoa horrível...

Ela levanta-se violenta.

Ela: – Tu vai ficar com este sentimento de culpa pra sempre?! Eu sei que tu não é assim como tu fala!!! Tu criou isso e acredita!!! Mas tu não é!!!

Ele: – Culpa não existe. Não me sinto culpado. Eu apenas sei o canalha que sou. Não por fatos que aconteceram. Mas pelo simples fato de eu ser eu mesmo. E saber disso.

Ela: – Isso não...

Agora ele levanta-se violento.

Ele: – Eu sou uma pessoa horrível!!!

Sentam-se. Pegam as taças. Bebem o vinho.

Ele: – “Tu já pensou nos átomos. E no espaço entre os átomos. É nada. Nós somos feitos de nada. Tudo é feito de nada. Tudo não existe. Nós não existimos.”

Ela: – É... De que me serve isso?

Ele: – Para eu me esquecer de mim mesmo... Vai dormir pra ir ver o teu avô amanhã...

Ela levanta. Anda até o início do corredor que dá para os quartos.

Ele: – Mas guarda esta conversa... Tu pode precisar um dia...

Ela: – Pra que pensar nisso? É uma merda... De qualquer jeito...

Ele: – “De qualquer jeito...”

Ela: – É... E daí? Não resolve nada mesmo...

Silêncio.

Ele: – O vinho acabou... Tu precisa dormir... Vou pra casa tomar um banho quente...

Ela: – Até um dia...

Beijam-se no meio da sala.

Ela: – Não esquece de mim...

Ele: – Nunca...

Eles se afastam. Ela para na entrada do corredor que dá par os quartos e olha para ele. Ele para em frente à porta do apartamento e olha para ela.

Ele: – Dorme bem... E não pensa em mim... Boa noite...

Ele manda-lhe um beijo.

Ela: – Hey... Eu te adoro, sabia?

Ela sorri cansada.

Ele: – Eu te amo...

Ela sorri, mais uma vez, com ar cansado e compreensivo.

Ele: – Dorme bem...

Ele sai e fecha a porta. Ela entra pelo corredor. A sala fica vazia, como a garrafa de vinho em cima da mesa.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Extraordinary Machine

♫ If there was a better way to go then it would find me
I can't help it, the road just rolls out behind me
Be kind to me, or treat me mean
I'll make the most of it, I'm an extraordinary machine ♫