quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Busca

E eu permaneço aqui. Varando madrugadas, bebendo cerveja, fumando cachimbo, lendo contos beats, com músicas de Elis Regina entre um e outro, pra disfarçar, um conto falando de putas e uma música falando de amor, devidamente alternados para não perturbar o meu frágil equilíbrio. Permaneço acordado esperando a manhã chegar para enfim poder dormir. À noite meus fantasmas me perturbam, derrubam quadros na minha cabeça e não me deixam descansar. Então fico sozinho por estas madrugadas forjando amores impossíveis e desesperados, buscando companhias mil para disfarçar a solidão indisfarçável. Tento dissimular a pessoa detestável que sou, talvez em busca de alguém, um alguém que também dissimule, que finja não ver fundo demais, que sorria e diga que acredita em tudo e que me ame. A névoa toma conta das madrugadas frias, e em meio à total solidão eu busco amor. Palavrinha complexa, indefinível. Busco um amor assim, meio distante, pra dramatizar um pouco, afinal, preciso do drama, mas busco um amor, que aqui e ali talvez até me convença que a vida não é tão ruim, que as pessoas não são tão más, que o mundo tem solução. Busco um amor redentor, eu, que tão perdido estou. Busco a felicidade, se é que isso existe. Busco tudo o que eu me dissera para não buscar, acho que justamente por isso. Mas sabem como são as buscas, levam tempo e dedicação, necessitam paciência e perseverança, e eu nunca tive nada disso. Eu sempre me perdi pelos caminhos errados, e acho que desta vez não vai ser diferente.

Espera

Estou aqui, sentado, sozinho, esperando que alguma coisa mude, esperando que alguma coisa aconteça, esperando... Eu nunca gostei de esperar, eu nunca soube esperar, mas espero. Tudo o que me restou foi esperar. O resto todo foi embora. Todos foram embora. E eu fiquei aqui, esperando sei-lá-o-quê. Agora me diz: de que serve tudo isto? Aprendizado, compreensão e todo esse blá-blá-blá. Necessária solidão auto-destrutiva e criadora. Redenção. Uma espécie incompreensível de alguma redenção perdida. Por que é tão difícil? São só uns riscos no papel. Não significam nada. Nem pra mim, nem pra ninguém. Não sei o que vai acontecer. Nunca soube mesmo, mas sempre esperei o pior. Vai ver é porque eu sei que hora ou outra ele acaba vindo, o pior.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Papilas Gustativas

Dizem que quando a gente vai ficando velho, a gente vai perdendo as papilas gustativas, aquelas bolinhas na língua que fazem com que a gente sinta o sabor das coisas. Por isso que os velhos costumam carregar tanto nos temperos. Porque eles não sentem mais o gosto. Pois bem, acho que a minha alma está ficando velha, que as papilas gustativas do meu espírito estão se perdendo. Não consigo mais sentir o sabor da vida, tenho que carregar nas emoções apimentadas e nos sentimentos agridoces para ter um vislumbre dos sabores de outrora.

Mulheres

O que os seios significam para uma mulher? Será que o mesmo que o pênis significa para um homem? Por que as mulheres que não têm peito sentem-se inferiores às mulheres que possuem seios fartos? Afinal, são apenas dois pedaços de carne. Não, na verdade são bem mais do que isso. São uma prévia indiscutível – pelo menos na visão feminina – da competência para o sexo. E seguindo esta lógica, são uma vantagem ainda mais indiscutível na batalha pela conquista dos homens. Os seios são uma arma. São símbolo de vitória.

Eu poderia discutir também por que as mulheres que não são mães sentem-se inferiores às que o são. Mas essa é uma questão mais biológica do que psicológica. O corpo da mulher foi feito para que ela fosse mãe. Ser mãe e a sua função social. Sem isso ela se sente uma fracassada. E a educação machista à que são submetidas contribui muito para isso.

As mulheres, sem dúvida, possuem muitos complexos. Mas enfim, mulheres são complexas por natureza, e se não o fossem os homens não as amariam. Elas mesmas não conseguiriam amarem-se umas às outras. A complexidade é algo inerente ao caráter feminino. Sem isso a mulher fica incompleta. Por mais simples que uma mulher possa parecer, ela sempre esconde uma grande e profunda complexidade em seu interior. O que acontece é que muitas vezes, geralmente por medo ou por algum outro motivo banal, ela esconde até de si mesma a sua própria complexidade, e fica vivendo como uma mulher simplória para agradar ao marido, aos filhos, aos pais, à família, aos amigos, à sociedade. Isso não é vida. Uma mulher necessita exercer a sua complexidade para ser verdadeiramente uma mulher, e não apenas um ser com uma vagina.


Leitura complementar: Fatos da vida animal

boquete

Tu podes saber se um relacionamento dará certo ou não pelo boquete. É impossível que um relacionamento com uma mulher que não saiba chupar funcione direito.

egocentrismo

Eu sou apenas mais um
mas não consigo ver
pois estou apaixonado por mim mesmo
e como todos sabem
a paixão
cega.

sexo

O sexo só pelo sexo fica vazio de sentido. A ilusão é o que nos mantém.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Leslie

Leslie vivia no campo e adorava chocolate. Era uma vida adocicada, calma e tranqüila. Com canto de pássaros e borbulho de águas calmas ao seu redor. Era enlouquecedor. Torturante. Os pássaros. O borbulho. A paz. Leslie possuía uma alma inquieta, necessitava de agitação, da vida corrida das metrópoles, ela precisava daquele ritmo frenético para sentir-se viva. Mas estava presa num cárcere sem paredes e em campo aberto. Campos. Sua prisão eram campos abertos. Como os campos das antigas guerras, quando ainda se lutava com espadas. Quando coragem e honra ainda tinham algum valor. Leslie estava presa e enlouquecia. Enlouquecia pelo fato de não viver a vida que escolhera para si, de não viver vida nenhuma. Enlouquecia pelo fato de não ter tido escolha – e isso serve como um alerta: a falta de escolhas enlouquece. As chamadas escolhas sem escolha, belíssimo termo, podem ser fatais. Há que se estar preparado para resignar-se, e às vezes a resignação e o desgosto matam. Leslie era uma pessoa desgostosa. Chorava convulsivamente, escondida para que não vissem sua fraqueza. Quase ninguém a via mesmo, mas caso visse, viria uma mulher forte e, quiçá, em raros momentos, alegre. Uma mulher feliz e realizada pela consciência do seu talento vão. E ninguém nunca seria capaz de ver a prisão sem muros que a corroia por dentro. Só havia o silêncio naquela grande casa de campo. E só havia o silêncio dentro de Leslie. Um silêncio tão absoluto que a enlouquecia. Mas em pequenas parcelas, mordidinhas, corroendo, segundo após segundo, minuto após minuto, hora após hora, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, década após década. Por dentro ficava um buraco que a cada dia ia ficando mais fundo e mais escuro. E o vazio ia crescendo e as palavras iam escasseando e Leslie ia secando, morrendo de dentro pra fora, como uma árvore atingida por um raio, morta em sua essência, mas viva aos olhos dos outros, viva para o mundo. Podemos pensar em quantas pessoas nós conhecemos que são mortas por dentro e vivas para o mundo. Eu pensava em Leslie e Leslie morria. Mas não era uma morte puramente física, esse esgotamento do corpo era puramente um reflexo, a morte de Leslie era mais profunda, era uma morte espiritual, uma morte da qual ela não conseguia se livrar. Leslie morria enquanto todos à sua volta sorriam. Sorrisos falsos, simpatias forjadas, sopinha de legumes e pilhas de remédios. Essa era a receita mágica que devia salvar Leslie. Não adiantava de nada. No começo ela fingia melhoras, forjava falsas alegrias, tomava a sopa e os remédios. Depois ela deixou de se preocupar com isso. Isolou-se cada vez mais em si mesma, um processo contínuo, insolúvel e irreversível. Leslie morria. Mas sua alma irrequieta tinha ânsia de transmitir todos os conhecimentos que ela adquirira em incontáveis segundos de vivências mínimas e divagações infinitas. O vôo da joaninha a fazia questionar a existência de Deus e a origem do universo. Leslie era uma mente muito forte aprisionada em um corpo muito fraco. Havia um desequilíbrio evidente. Como eu já disse anteriormente, no começo ela lutava contra isso, mas depois ela se aceitou por inteira, com todas as suas potencialidades e deficiências. Aquela morte em vida era apenas um processo. Leslie era como uma larva que necessita passar pela eternidade de um casulo antes de poder resplandecer nos céus. Mas ela era impaciente. Fugia do nada para o nada. Fazia tentativas vãs que nem mesmo ela entendia. Na verdade não eram tentativas de morte, não eram tentativas de fuga. Eram tentativas de uma ressurreição mental e espiritual. Leslie estava completamente perdida. Ela necessitava de uma luz na escuridão. A vida trivial que as mulheres supostamente deveriam levar dava-lhe ânsias de vômito. No fundo, ela queria ser aceita pelo que ela era: uma escritora brilhante e talentosa, e nada mais. Ela possuía as suas excentricidades e sabia disso, mas isso não era da alçada das outras pessoas e não cabia a ninguém, além dela mesma – e às vezes nem mesmo ela –, julgá-la. Aquela paz e serenidade iam deixando-a cada vez mais angustiada, pois cada vez mais ia bloqueando o seu talento e aumentando o seu vazio interior. Ela detestava o vazio. Havia tantas coisas a serem vividas, e todas estavam imbuídas de tantos significados quanto a imaginação pode alcançar. Ela se recusava ao vazio. O vazio era perda de tempo. Ela queria preencher tudo, com todos os sentimentos e pensamentos que lhe fossem possíveis. Ela buscava uma completude. Algo que lhe desse uma compreensão nunca alcançada, uma compreensão que talvez lhe permitisse a verdadeira felicidade – ela supunha. E talvez estivesse certa, nunca saberemos. Cada um possui os seus próprios processos internos, e os de Leslie eram geniais e incompreensíveis. Leslie procurava um amor que transcendesse o plano físico. Ela queria sempre algo a mais. Os sentimentos nunca lhe pareciam intensos o suficiente. Talvez porque os seus sentimentos fossem muito intensos, ela sentia-se eternamente uma amante não correspondida, por mais amada que fosse. Para ela, nunca era o suficiente. Chorava sem saber por quê. Dilacerava sua alma em lágrimas de desespero inventivo, o desespero da incompreensão. Incompreensão para ela sempre representou escuridão, e ela vivera na escuridão por tempo demais. As pessoas não a compreendiam. Nunca compreenderiam.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Matadouro

Eu cresci no interior, na casa dos meus avós. Tudo muito bonito, muito calmo, muito bucólico. E eu com a alegria infantil de quem não conhece a sujeira e a miséria das cidades grandes. No máximo um passeiozinho em Arroio do Tigre ou Sobradinho, cidadezinhas bucólicas da serra gaúcha. Ir ao supermercado dos parentes do meu avô. Tudo assim. Minha avó muito simpática e boa cozinheira, meu avô trabalhador e que ia tarrafar comigo no rio à noite. Vila Tamanduá é o nome do lugar. Ainda existe, exatamente do mesmo jeito, mas não aparece no Google Maps, já procurei. Mas talvez o mais marcante daquela minha infância bucólica tenha sido o sangue. Eu sempre fui carnívoro por natureza e sempre gostei do sangue. Até hoje, como carne de gado crua sempre que posso. E que se foda a febre aftosa. O que essas pessoas urbanóides que nasceram, cresceram e sempre viveram apartamentinhos e indo aos hiper-mercados não conseguem entender é como o contato com o sangue é uma coisa linda e natural. É mágico. Minha santidade particular, o sangue. Naquela vidinha de interior, meio do mato, final dos 80, começo dos 90, meu avô tinha um irmão que era açougueiro. Na verdade ele tinha um mercadinho na Vila Tamanduá, mas o que dava lucro mesmo era o açougue. Era o único da vila, e todos aqueles descendentes de nobres alemães & italianos que por décadas derrubaram árvores & mataram onças para construir aquele paraíso no meio do nada não poderiam ficar sem o seu santo churrasquinho de todo domingo. Mas eu estava falando do meu tio-avô açougueiro. Ele tinha um matadouro. Ficava em cima de um rio, e para chegar lá ele descia por uma estradinha que passava em frente à casa dos meus avós. Era bem perto, o matadouro. Dava pra ouvir lá de casa os berros dos bois agonizantes quando eles demoravam para morrer. Como todo bom moço criado no interior, o contato com o sangue era algo normal para mim. Limpar peixes, matar galinhas. Uma vez um ganso me mordeu. Com ajuda da minha destemida avó, que capturou os bichos, eu realizei minha vingança. Com uma machadinha eu decapitei os treze gansos que haviam lá. Eu adorava ver o sangue correr. O cepo ficou encharcado. Eu me sentia um carrasco medieval. E haviam também as tradicionais carneações de porcos, que seguiam quase o mesmo processo do matadouro de bois, mas que visivelmente não provocavam o mesmo efeito psicológico em mim. Com os porcos o processo era simples. Matava-se o porco. Então abriam-no, retiravam os órgãos, esquartejavam-no, limpavam os intestinos, moíam a carne do porco & faziam lingüiça. Basicamente tiravam as tripas de dentro do porco e colocavam o porco dentro das tripas. E meu avô às vezes ia ajudar no matadouro. Ele era muito bom em tirar o couro dos bichos. Tinha uma faquinha de estimação própria para isso. E tinha um irmão, italiano e muito católico, que comia as negrinhas que iam trabalhar em sua casa e matava bois. Uma vez um boi fugiu. O meu tio-avô, popularmente conhecido nas redondezas como “Tio Chico”, foi atrás dele com um pedaço de pau. Ele bateu com aquele pau em uma das canelas do boi. O osso se quebrou e o pé ficou pendurado pela pele. E o Tio Chico fez o boi andar por quilômetros até o matadouro mancando em cima daquele osso. Era um grande cara, o Tio Chico. Um dia ele matou um cara com um dois tiros: um no meio da testa e um no coração. Sinto saudades do Tio Chico. No matadouro as coisas funcionavam assim: os peões amarravam cordas no boi – ou na vaca, dependendo da ocasião –, cordas nas quatro patas e na cabeça, e ficavam segurando. Então vinha alguém e dava uma facada no pescoço do boi, na jugular. Geralmente era o Tio Chico, ou um peão que já era experiente no negócio. Então eles esperavam o boi sangrar até a morte. Era um espetáculo lindo. Aquele sangue vermelho e quente jorrava, o piso de concreto ficava todo vermelho. Tudo muito colorido, tudo muito vivo, exceto o boi, que ia morrendo. Às vezes eu ia pelo lado do rio e via o sangue caindo como uma cachoeira vermelha, mudando a cor das águas. Mas havia alguns detalhes importantes na matança. Por exemplo: não se podia ter pena do bicho, senão ele não morria. Uma vez uma amiga da minha mãe foi assistir eles matando, e ficou com pena do boi. E o boi sangrava e sangrava e sangrava e não morria. E ela ficava olhando nos olhos do boi e o boi ficava olhando nos olhos dela. O boi sangrou até a última gota e continuou em pé. Não morria. Até que o Tio Chico enfiou a faca atrás da cabeça, na nuca, na junção do pescoço. Foi instantâneo, como se desligasse um botão, as quatro patas se arriaram e a amiga da minha mãe correu pra casa chorando. Depois que matavam o boi vinha a parte que eu considerava como uma engenharia, uma verdadeira dissecação. Eles cortavam as quatro patas e a cabeça fora. Depois enfiavam dois ganchos nas pernas traseiras e erguiam o bicho. Tinha um tipo de guindaste para içá-lo. Então eles abriam a barriga do bicho e tiravam todos os órgãos, enquanto os outros – sempre eram vários – iam tirando o couro do bicho (meu avô fazia isso, era o melhor deles). Depois disso tudo eles serravam o bicho no meio, com uma serrinha dessas manuais mesmo. Aí eles passavam trabalho. Os peões suavam, uns desistiam, outros se revezavam. Tudo parecia muito divertido. Eu pedia pra serrar, às vezes. Mas eu tinha só quatro ou cinco anos e era muito magricela. Mas eles sempre deixavam. Dois peões seguravam os pedaços do boi afastados e meu avô me erguia. Eu segurava a serra melada de sangue, era uma sensação boa, de fazer parte de alguma coisa, como se aquele sangue que estava ali unisse todos aqueles homens, nos fizesse parte de algo maior, e eu fazia força, mas a serra quase nunca se mexia. Mas quando meu avô me botava no chão de novo, todo mundo dava a maior força e diziam que tinha sido quase e que da próxima vez ia e que eu tinha que comer mais feijão. Então eu ia correndo pra casa, feliz, e pedia uma caneca de caldo de feijão para a minha avó, e ela me dava e eu tomava tudo. Tinha uma textura engraçada. Parecia sangue.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Fim.

Fui-me embora pra Vila Tamanduá.
Volto em 2009.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Bailarina, Egocêntrica & Escandalosa ou Sol ou Considerações Filosóficas Acerca Do Encontro Com A Mulher Perfeita

Primeiro veio a espera. Horas, minutos, segundos. Cada um contendo em si a sua própria eternidade. Angustiante, a espera.

Incomensurável. Esta é a palavra, creio, que melhor define o conjunto de sentimentos exacerbados que convencionei chamar neste texto de: Ela.

A primeira descrição que li dela, isso muito antes do encontro, era composta por três palavras: bailarina, egocêntrica & escandalosa.

Bailarina: Que baila. Dança. Arte. Que usa o corpo como uma obra de arte. Que traduz nos movimentos do corpo os sentimentos da alma. Sentir. Bailar. Bailarina.

Egocêntrica: Que gosta de ser o centro. Sol. Centro de gravidade. Magnetismo pessoal. Força. Energia. Luz. Que ilumina. Que ama e ilumina. Que modifica. Força motriz do universo. De tudo que está ao redor. Sol. Centro. Egocêntrica.

Escandalosa: Escândalo. Chamar a atenção. Novamente centro. Necessidade leonina. Leão. Signo de fogo. Chama mais alta. Que arde. Que queima. Que, desgovernada, fere. Que, novamente, ilumina. Fogo. Força. Luz. Que é vista ao longe. Vista por todos. Sempre. Escândalo. Escandalosa.

Sempre achei curiosa essa descrição: bailarina, egocêntrica & escandalosa. Parecia muita coisa para uma só pessoa. Eu acho estranho usar o conceito de pessoa para defini-la. Embora ela seja uma pessoa, é uma pessoa na milésima potência, o tempo todo. De forma que os conceitos comumente usados não se aplicam.

Mas eu falava da espera. A nuvem de apreensão dissipou-se na escada rolante. Avistei-a. Ali. Esperando por mim num local não previamente combinado, desarmando-me completamente antes mesmo de ter me visto. Ela era linda. Aquele sorriso. Dentinhos de coelho. O sorriso que ilumina. (Novamente sol, luz, centro de gravidade.) O sorriso. O corpo que apresentava mais curvas do que eu me lembrava ou imaginara. Corpo de mulher. (Bailarina. Obra de arte em movimento.) Ela era linda, parada ali no meio da multidão que deixou de existir no momento em que a vi. Usava os mesmos brincos da foto em que Marilyn Monroe a imitava. Chamaram-me logo a atenção, os brincos. Era uma foto em que Marilyn, em um quadro à esquerda, imitava a pose dela, à direita. As opiniões foram unânimes: Marilyn não chegava aos pés dela. Ela usava os brincos da foto com Marilyn. E o cabelo em cachos desgrenhados que emoldurava o seu rosto tal qual o mais belo quadro que deveria ter sido pintado. Repito, ela era linda. E macia. O toque da sua pele. Macia.

(Tenho que fazer um parêntese para informar que é impossível descrevê-la. Indubitavelmente a sua verdadeira natureza é incomensurável e indescritível. Pela abundância de palavras com o prefixo in, o leitor já pode concluir que seria inútil continuar. O que eu retrato aqui, sob o conceito de Ela, é apenas a pequena parte que me foi possível apreender/compreender de tudo o que ela, de fato, é.)

Sentamos em um café semi-deserto. Dois capuccinos. Com chantilly. Ela me explicava, orgulhosa, a técnica para se comer o chantilly sem transformar o café num vulcão. Eu adorava o timbre de voz dela. Era alto e meio rouco. Uma vez eu falava com ela ao telefone, quando disse-lhe que ela tinha voz de quem passava o dia inteiro gritando. (Escandalosa.) Mas no café ela não gritava. Apenas falava em ritmo acelerado, quase compulsivo. Falava. Falava com as mãos. Empoleirada na cadeira – ficava ainda mais linda sentada nessas posições estranhas falando descontroladamente – precisava de um grande espaço à sua volta para movimentar mãos e braços em uma verdadeira dança (bailarina) que acompanhava o ritmo da fala. Certa vez conversávamos sobre uma coreografia que ela estava criando. Ela angustiava-se por não conseguir entender de onde vinham aqueles movimentos. Deveriam ser lógicos, racionais, ela argumentava comigo. Eu sabia que eles jamais seriam. (Movimento, dança, arte, reflexo da alma.) Acho que depois ela também descobriu. Mas ela criava coreografias lindas ali, empoleirada em uma cadeira num café semi-deserto. Ela dançava com braços e mãos enquanto falava descontroladamente sobre si mesma. (Egocêntrica.) Sempre muito agitada. Suas mãos pequenas e macias, muito bem desenhadas, bailavam no ar formando desenhos mil. Eu não podia prestar atenção. O que ela dizia era sempre mais importante do que a obra de arte em movimento que era ela. E haviam os olhos. De um azul muito claro. Olhos muito profundos. Eu tinha medo. Tentava evitar olhares diretos. Disfarçava, dissimulava. Procurava olhar no fundo dos seus olhos quando ela se perdia em si mesma e esquecia que eu estava ali. Quando ela olhava de volta, eu desviava o olhar. Covardia. Medo. Não sei bem de quê. Mais tarde, na rua, em meio à multidão e ao caos porto-alegrense – que também deixavam de existir na presença dela –, eu de óculos-escuros – covarde – pude olhá-la no fundo dos olhos enquanto ela falava comigo. Não sei se ela me via. Se era uma frágil inútil ridícula proteção. No fundo, não adiantava de nada mesmo. Ela já conhecia a minha alma.

Ao deixar-me abandonado no meio de Porto Alegre, ela apontava braços e mãos nas mais variadas direções, alucinada e frenética, meio por pressa, meio por preocupação, meio por desorientação. Eu sorria. Ela era linda. Ela era linda e não existia mais ninguém. Agora também não existia mais a falsa imagem, a ilusão de quem era ela. Agora só havia ela, parada ali, à minha frente, cabelos ao vento, corpo cheio de curvas e a palavra “Liberdade” tatuada na alma.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

...

No fundo nós não passamos de bárbaros travestidos de homens civilizados.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Confusão

Será que eu sou incapaz de sentir amor? Eu era fraco, covarde, idealista & romântico. Amava sem medidas, mendigava o carinho e a atenção dos outros. Mas só sofri e me machuquei com isso. Então cresci e me tornei cético, cínico & amargo. Desaprendi a amar e a acrditar nas pessoas. Criei uma couraça, uma armadura. No fundo, é apenas outra forma de fraqueza, um pouco mais rebuscada. E pior, eu diria. O fraco que ama e se decepciona e sofre tem seus méritos, pois teve coragem de abrir o seu coração e tentar. Eu já fui assim. Hoje tenho medo. Já são muitas cicatrizes. O corpo e a mente enfraqueceram. Já não suportam mais os baques de outrora. Uma ilusão, como aquelas de antigamente, seria muito perigosa. Hoje eu não suportaria uma queda daquelas. Então a hipocrisia. Afastando a tudo & a todos. Uma armadura impenetrável. Covardia. Proteção. Sobrevivência. É muito mais fácil assim. Menos perigoso. Só decepção e tédio. Decepção comigo mesmo e tédio com o mundo sem amores intensos. Tédio com o mundo que eu escolhi pra mim - por covardia. Me sinto fraco. Escolhas... tudo são escolhas. É impossível saber qual a correta. No fundo não é uma questão de certo ou errado, trata-se de escolher o que se quer pra si. E muitas vezes temos que escolher mesmo sem saber. Um tiro no escuro. E eu sempre tive medo do escuro. Daí as escolhas por covardia. Armadura. Proteção. Auto-anulação. Medo. Hipocrisia. Fingindo ser o mais forte e negando o amor por medo, dizendo ser por coragem. Fica vazio. Fica tudo vazio. Por dentro e por fora. Eu e o mundo. Nada mais faz sentido. É como se eu estivesse assistindo um filme japonês abstrato sem legendas. O inconsciente captura, mas eu não compreendo. Só consigo sentir, e o sentimento puro, sem uma explicação racional, confunde - enlouquece. Enlouquece. Enlouquece...

Saudosismo argentino

Eu sinto falta de Buenos Aires. Muita falta. Hoje cortei o dedo e estou nostálgico. Queria andar de novo pela Calle Florida. Pegar o metrô, descer na Estación San Juan e subir por aquelas escadas rolantes de madeira que ficam estalando. Ir jantar no Café Takura e depois ir dormir naquele albergue em San Telmo. De madrugada eu poderia levantar e passear pela 9 de Julho tomando uma cerveja de um litro. Sinto saudades de falar espanhol. De pedir para explicar ou falar mais devagar. Queria deitar no gramado da Plaza San Martín. Nostalgia que às vezes me dá...

Elevador

Entrei no elevador e senti o perfume de uma mulher, forte e adocicado. Cheiro de festa, pensei. Cheiro de um tempo onde eu acreditava em muita coisa em que não acredito mais. Nostalgia. O perfume. A mulher. O amor.

A Arte de Escrever

Write it's something spiritual. Escrever é uma arte. Aprender a escrever é algo mágico. Porém, descobrir o seu próprio estilo em um mundo onde todos os estilos já foram criados é algo muito difícil. Tarefa árdua. Escrever é tarefa árdua. Principalmente porque não se pode agradar à todos. Já é de extrema dificuldade agradar alguns. Dear God, please help me. Help me write. Help me live. Help me die.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Círculos, ciclos & confusões em geral (post confuso que não explica nada e não leva à lugar algum)

Uma questão me assolou neste momento: viver em eternos círculos viciosos é uma forma de covardia? Ultimamente eu tenho andado com a mania de achar que todos são covardes, e tenho me decepcionado muito com as únicas pessoas com quem achei que nunca me decepcionaria. Eu credito todas estas decepções à covardia. Pra mim, a covardia leva à mediocridade, e eu não suporto nenhuma das duas. Mas o que eu me perguntava era: viver em eternos círculos viciosos é uma forma de covardia? Talvez. Às vezes. Mas, tratando-se da situação específica que me despertou esta questão, eu diria que não. Para pessoas muito intensas o viver em círculos - ou ciclos - é, às vezes, uma forma de auto-preservação. Veja bem, isto não pode ser considerado covardia, pois não há o medo da entrega. O que acontece é que às vezes fica difícil viver/sentir/pensar ao máximo o tempo todo. Se meter em um círculo que sabemos como irá acabar é uma espécie de terapia inconsciente. Enquanto tu estás vivendo aquele ciclo, esperando o final, tu estás, de certa forma, "digerindo" tudo o que acontece - interiormente e exteriormete - e que seria demais se viessa à tona de uma só vez. Um círculo é um caminho, e como todo caminho o que importa não é o final - já conhecido - mas sim o trajeto, pois mesmo vivendo o mesmo ciclo eternamente, a cada vez que se passa por ele, somos uma pessoa diferente. A cada eternidade que vivenciamos, nós saímos com cicatrizes na alma e um grande conhecimento adquirido. Sempre achei que círculos eram uma forma mais sofisticada de covardia. Talvez sejam mesmo. Mas o que eu percebo agora é que eles são necessários, tanto para o aprendizado, como para a própria sobrevivência. Eu vivo querendo destroçar meus círculos, e quando consigo, percebo que isso é só mais um ciclo. Já tentei fugir; fuga não há. Já tentei ficar; esta realidade não me serve. Já tentei livros & filmes; acrescentaram mas não resolveram. Milhares de tentaitvas diferentes; sempre os mesmos ciclos. Não há sentido em ficar discutindo isso. Não consegui explicar porra nenhuma - nem pra mim mesmo. Mas o que eu queria dizer mesmo é que ter a sensação de que um círculo é uma forma de covardia gera uma culpa por não estar vivenciando tudo o que há além deste círculo. Conselhos de nada servem e eu ainda não aprendi a solucionar esta questão - embora eu nunca olhe pra trás, nem me arrependa, nem me culpe. Mas o que eu queria dizer mesmo é que a eternidade contida dentro deste círculo é a mesma que há fora dele, só que de uma forma mais segura. Eu nunca gostei de segurança, mas talvez seja esta forma de segurança forçada que me permita estar vivo até hoje. É impossível fugir de um círculo, mas é importante lembrar que mesmo dentro dele, tu sempre podes observar tudo que há ao redor. Um círculo é sempre interior & exterior, mas o exterior por si só, o "de fora" do círculo, não tem sentido nenhum. Só vai ter sentido quando tu te relacionares com ele. Só vai ter sentido quando entrar nos teus círculos.

"Tudo é maya / ilusão ou samsara / círculo vicioso."

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

...

"se essa rua fosse minha..."

Ausência

– Eu acho que eu te amo.

Eu sorri.

– Eu deixei de acreditar no amor há cinco decepções atrás.
– Teu sorriso é sempre tão triste.

E era mesmo. Mas eu não podia fazer nada sobre aquilo.
Estávamos os dois deitados, nus, na cama encharcada com o nosso suor e com o nosso gozo. Era uma noite de verão. As janelas estavam fechadas e estava tudo escuro. Só havia aquele cheiro forte.

– Um cheiro misturado, de união.

Isso era o que ela dizia. Eu só sentia o cheiro dela. Sempre foi assim comigo. Eu só conseguia sentir o cheiro das minhas mulheres. Acho que no fundo isso é bom. Não há lógica nenhuma em querer sentir o seu próprio cheiro. Mas o que me incomodava era ela falando desse “cheiro misturado”.

– Como se nossas almas se fundissem.

Eu nunca acreditei nessa merda. Pra mim almas sempre foram egocentricamente isoladas de todo o resto – incluam-se aí outras almas & menininhas de pernas abertas. E além do mais, não me parecia que o cheiro do nosso gozo revelasse nossas almas. Ou parecia?

Permanecemos deitados no escuro, em silêncio.

– Na nossa atmosfera de amor, como uma bolha.

Pra mim a atmosfera era apenas de exaustão sexual. Mas que parecia uma bolha, isso parecia.

– Eu já te disse que eu não acredito no amor.

Depois do gozo sempre me vem um vazio. Mas às vezes esse vazio é calmo e sereno e melhor que todo o resto.

– Se tu não acreditasse no amor tu não tava aqui comigo.

Às vezes eu fico me perguntando se as mulheres são realmente burras ou se elas definitivamente não querem enxergar. Acabo optando pela segunda. Quase sempre.

– Tu estás aqui para suprir o meu desejo sexual.

(Silêncio)

Às vezes a crueza é o melhor remédio. Um pouco de realidade pra estragar O Amor Romântico Idealizado.

– É só isso que eu sou pra ti? Um objeto sexual?

Fiquei pensando. A maioria delas era só isso mesmo. Mas ela talvez não fosse. Percebi que era com ela que eu compartilhava os meus momentos. Compartilhava tudo. Os livros, os filmes, as músicas, o sexo. Ela me ouvia pacientemente. Me idolatrava em silêncio. Eu sentia aquilo e me orgulhava em segredo.

Quando consegui aquele filme existencialista japonês ela já tinha ido embora. Eu estava muito empolgado com aquele filme. Assisti em estado de êxtase. Queria falar horas sobre ele, queria mostrá-lo para alguém. E foi aí que eu percebi que estava sozinho. Não havia com quem falar. Não havia com quem assistir o filme. Ela havia ido embora. E o mais engraçado é que fui eu que provoquei isso. Solidão pacientemente construída.

– Vai lá. Garanto que até o natal tu tá de volta.

E ela foi. E já há pinheirinhos pelas ruas e ela não voltou. Sempre há mulheres na minha cama. Mas não há mais companhia.

– Se ao menos tu tivesse dito “fica”...

Mas eu não disse. Não diria nunca. Até porque a minha vontade também era de ir-me para um lugar bem longe, um lugar qualquer distante daqui. Talvez voltar pra Buenos Aires. Talvez ir meditar e lutar contra os chineses no Tibet. Sei lá, pra qualquer lugar que não seja aqui.

O verão continua quente e abafado, exceto por algumas noites frias na semana passada. Noites de um bom vinho no meio da solidão.
E eu continuo nesse estado de suspensão da vida. Sozinho. Hibernando. Esperando.

– Tu ainda vai ser um grande escritor.

Pelo menos ela acreditava em mim. E, às vezes, isso faz toda a diferença.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

sábado, 8 de novembro de 2008

Lágrimas

Quando todas as palavras me abandonam, ainda me restam as lágrimas, que sempre disseram muito mais do que qualquer palavra.

Milagreiro - Cássia Eller & Djavan

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

as mulheres & o amor

Agora, nessa madrugada, lendo o "Nossa Senhora da Pequena Morte" da Averbuck, eu percebi que todas as mulheres são iguais. Pode ser intensa, tempestuosa, culta, inteligente, o caos. Ou pode ser burra, ingênua, limitada, torpe. No fundo, todas as mulheres sofrem do mesmo mal: amor incondicional, paixão doentia. Não importa a mulher, ela sempre acredita que o aquele amor é o mais forte & puro & verdadeiro & que vai durar para sempre. Os meus amores nunca foram fortes nem puros. Sempre foram verdadeiros (por um curto período de tempo). E eu sempre soube que nenhum deles seria para sempre. Mas elas acreditaram que sim, que a eternidade seria como aquele abraço, aquele beijo, aquela noite, aquele "eu te amo". Mentira. Se não foi mentira na hora, tornou-se depois. As minhas sinceridades absolutas sempre foram tão efêmeras. Não há salvação para as mulheres. Elas vão continuar acreditando, vão acontinuar amando. E eu vou contiuar sentindo o que me cabe: esta eterna culpa.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Considerações Sexuais

Na minha vida não havia drogas nem putas. Mas havia muita bebida e ex-namoradas, o que, no final, era praticamente a mesma coisa. De manhã, sentado na minha cama, batendo punheta e encarando uma caranca que soltava fumaça de sândalo pela boca, eu pensava como era estranho tudo aquilo. Séculos se passavam e as vaginas continuavam as mesmas. E eu sempre querendo alguma coisa diferente, alguma coisa a mais, alguma coisa sagrada no sexo animal. Queria a divindade em dois corpos se esfregando, resfolegando, ofegando. Mas não havia nada. Só o gozo, o vazio e uma ereção desfeita. Eu gostava dos cheiros. Acho que ainda gosto. Cada mulher com seu cheiro, com seu gosto, com sua textura. Todas tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais. Banais. Vaginas em série, com algumas diferenças na embalagem. Intelectos amorfos & fantasias sadomasoquistas. "Paquitas", como diria Juliano Guerra. Paquitas sedentas de porra e nada mais. Afinal, a Xuxa fez filmes pornôs e deu pro Pelé, quem sabe desse certo pra elas também. Mas o pior é que nem isso elas queriam. Elas queriam o sexo pelo sexo. E eu sempre buscando alguma coisa além. Santidade, um momento perfeito, uma cena hollywoodiana. Eu viajava em citações de poetas malditos enquanto elas sugavam minha porra, sedentas, como um aspirador de pó na última velocidade. Eu me contorcia em espasmos e empurrava a cabeça delas. Era deprimente. E não havia nada. Gozava sem sentir. Um insensível de corpo e alma. Sozinho, num apartamento vazio, batendo punheta em meio à fumaça de incensos. Eu rezava para todos os meus deuses & invocava alguns demônios. De nada adinatava. Havia estado desesperado, mas agora nem o desespero fazia mais sentido. Experiências múltiplas. Sensoriais. Sexuais. Taças de vinhos, blues lentos, solidão. Nunca me faltou sexo, o que sempre faltou foi a companhia. Eu ouvia sirenes lá fora e adormecia no meio da punheta. O problema é que os detalhes sempre significaram muita coisa, e o todo nunca me valeu de nada.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Tempo

Eu andava pensando em decapitar passarinhos e espremê-los, colocar todo o seu sangue em uma tigela e escrever com ele. Também andava pensando muito sobre Lúcifer. Eu achava que se ele era o espírito mais perto de Deus, ele devia saber bem mais do que os outros, e provavelmente não tinha se rebelado à toa. E também, se Lúcifer era um espírito puro, ele era bom, e partindo do pressuposto de que os espíritos não regridem, ele não poderia ter se tornado mau. Acho que ele teve um conflito com Deus, pois não concordava com a forma como Ele administrava as coisas. Então Deus, do alto da sua ditadura nazista, expulsou baniu exilou Lúcifer. Agora, só porque o cara foi banido, não significa que o cara seja ruim. Então eu ficava pensando que Lúcifer estava lá no seu exílio fazendo coisas boas, mas à sua maneira. Ele era um puta de um injustiçado, o coitado. Naquela época, dos passarinhos e de Lúcifer, eu andava com uns bloqueios meio bestas. Andava com dificuldades na ficção. Eu só conseguia escrever o que eu vivenciava. Não conseguia mais fingir, não conseguia mais inventar. Foi aí que pensei nos passarinhos, e meu pai tinha uma criação de canários que viria bem a calhar. Mas no fim desisti, achei que seria mais ou menos como na vez em que eu comprei uma caneta de R$60,00 e fiquei bloqueado. Nunca consegui escrever nada com aquela porra. No fim, acabei dando a caneta pra alguma das menininhas que eu comia naquela época. Era uma bela caneta. Ela deve ter se masturbado com ela. Mas Lúcifer, passarinhos & bloqueios à parte, eu andava emputecido com a reforma ortográfica. Queria matar quem inventou aquela merda, queria enfiar aquela lei no cu deles. Sei lá, talvez Lúcifer fosse mesmo um cara mau e eu pudesse oferecer-lhe passarinhos decapitados para que ele levasse para o inferno os caras da reforma ortográfica. Naquela época eu também andava às voltas tentando resolver o meu vazio pós-coito - sem aplicar as novas regras gramaticais. Uma amiga havia me dito que sexo era apenas sexo, e que não havia nem nunca haveria nada depois. Eu ainda tinha umas idéias meio românticas e precisava acreditar que havia um depois. Mas toda vez que comia alguma adolescente sadomasoquista, eu ficava, ao final de tudo, lembrando da minha amiga dizendo que não havia mais nada, e apesar da insatisfação & contrariedade óbvias, eu começava a compreender. Parece que foi há tanto tempo tudo isso. Parece que foi ontem. E foi.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Pois é

É, e eu que já estava me achando grande coisa. Não sou nada, só uma imitação barata de artista, cópia frustrada de escritor. Um merda, em suma.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Espera

Eu lia Dostoiévski e ficava com uma depressão absoluta e incompreensível. Eu sempre gostei das minhas depressões absolutas, mas não conseguia conviver com nada que me fosse incompreensível. Então eu parava de ler Crime & Castigo, sempre na segunda parte, sempre por volta da página 110, e ia procurar contos beats na internet. Procurava algo que me dissesse alguma verdade besta, amarga e plenamente compreensível. Andava numas nóias de escrever contos de um intimismo nojento, meloso e doentio, sobre um amor platônico por uma menina de Porto Alegre. A minha relação com a palavra amor sempre foi muito engraçada. Eu, escritor maldito, showman de uma desgraça forjada, andava sempre pregando aos quatro ventos que o amor não existia. Não perdia uma oportunidade.

– Eu não acredito nessas coisas.

Mas qualquer menininha idiota que via os meus textos na internet se dava ao direito de vir me dizer “e tu ainda diz que não acredita no amor...” Eu ficava furioso. Eu decidia minhas crenças, e nenhum texto canalha & cretino iria mudar minhas falsas verdades. Digo falsas, porque eu nunca acreditei em verdades. De nenhum tipo. Mas daí eu estava naquela nóia de escrever contos intimistas para a menina de Porto Alegre. Ela era meio filósofa, e me influenciava com a sua prosa estranha. Nós chegamos à conclusão de que éramos, ambos, viciados em drama. Apesar disso, ela não falava – nem escrevia – com clareza sobre o que acontecia. Eu mandava mensagens bêbado e ela permanecia em silêncio. Às vezes, não atendia o telefone. Eu já estava ficando de saco cheio e com vontade de mandá-la se foder. Eu nunca fui um cara de amores platônicos. Eu não tenho paciência pra isso. Descontava minhas frustrações em tardes & noites de sexo esporádico com duas ex-namoradas, alternando os dias. Mesmo assim, tesão andava sendo uma coisa difícil pra mim. Eu já havia feito o Kama Sutra completo com as duas, e não havia mais novidades. Até tentei convencê-las a fazer um ménage, mas não rolou. Permanece até hoje como minha única fantasia não realizada. Mas o problema principal era o tédio daqueles dias. Eu havia voltado de Buenos Aires há um mês, e nesse mês não havia acontecido absolutamente nada de interessante – fora o meu consumo descomunal de bebidas alcoólicas diversas. Funcionava assim: eu ficava entediado e bebia. Eu não trabalhava e havia trancado a faculdade de jornalismo. Passava as madrugadas bebendo e os dias dormindo. Não conseguia dormir à noite, estava com umas paranóias a respeito de fantasmas. E havia um gnomo no meu apartamento. Pelo menos ele cuidava das plantas, já que eu sempre fui muito relapso com isso. Eu só não estava usando drogas mais pesadas por falta de oportunidade. Às vezes me sentia meio fake nesse papel de escritor maldito, a la Caio F., que no fundo tinha uma paz espiritual, adquirida das religiões orientais. Às vezes me parecia que eu estava sufocado numa agonia, meio a la Juliano Guerra, eu que nem sou tão canalha, que dissimulo e finjo não acreditar no amor. O que aconteceria depois eu não sabia. Tinha planos de me mudar para Porto Alegre, lançar um livro, exercitar a minha paciência em um ou dois semestres de uma faculdade de letras qualquer. No fundo, eu tinha 21 anos, três faculdades trancadas e nenhuma perspectiva de futuro. Minha mãe ficava quase louca, e tentava desesperada fazer com que eu me interessasse por alguma coisa. Não adiantava. Eu me interessava por uma filósofa gostosa de Porto Alegre, boa literatura & alucinógenos. O resto não me importava. No fundo, eu estava cansado. Às vezes olhava os meus amigos formandos, com suas vidinhas bem estruturadas, e sentia pena e inveja. Na mesma proporção. Mas eu sabia que aquilo não era pra mim. O que eu não sabia era o que eu estava procurando. Eu não sabia quem eu era. E por muito tempo isso me causou desespero. Mas o desespero passou e só restou o cansaço. Eu ria sozinho no meu jk alugado e cheio de fantasmas. Mas era um riso amargo. Eu fumava um cachimbo que me ardia na garganta e bebia mais. Estava esperando. Só não sabia o quê.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Caminhada Noturna

Para onde vou? Belíssima questão. Nós sempre nos perguntamos para onde vamos, sem nunca prestar atenção de onde viemos. A noite está agradável. Há uma brisa leve e fresca, que faz as folhas escuras das árvores farfalharem. Meus passos ecoam pelas ruas desertas. Nietzsche já dizia que os únicos pensamentos válidos são aqueles que temos caminhando. Andando agora, nesta madrugada deserta por estas ruas solitárias, isso começa a fazer sentido. As cidades de interior, em dias de semana, morrem à noite. Vez em quando uma que outra viva alma cruza o meu caminho; fora isso, tudo é deserto. É complexo, sabe, essas coisas de andar por ruas desertas. Já é tarde, quase cedo. Alguns passarinhos já se atrevem a dar alguns piados. E eu pensando numa moça distante, e lembrando da imagem de Caio dizendo pra escrever tudo que vêm à cabeça. Devaneios, delírios. Acho que estou ficando louco. Esquizofrênico, até. Às vezes tenho alucinações, sabe. Vejo pessoas que não existem. Sabe, elas me atormentam. Passo por uma loja onde há manequins na vitrine iluminada. Eles parecem vivos. De início eu tomo um susto, mas depois aquilo me dá uma opressão, os manequins que parecem vivos, as pessoas que não existem, tudo me apertando o peito, e eu quase choro. Mas bem no momento em que eu vou derramar a primeira lágrima, um passarinho canta bem alto. É um canto bonito. Não sei que pássaro é, eu nunca soube distinguir o canto dos pássaros, embora eu tenha sido criado no interior, no meio do mato, onde meu avô e meu tio sabiam distinguir e imitar com perfeição o canto de todos os pássaros que ali haviam, sabiam cantar como pássaros, cantar para atraí-los, cantar para matá-los. Atrair & matar. De uma forma ou de outra, estes verbos sempre estiveram presentes na minha vida. Mesmo quando meu pai ficava dormindo, ou então andando de roupão pela casa de campo dos meus avós, meu pai sempre tão urbano, enquanto meu avô e meu tio iam cantar e matar passarinhos. Sabe, aquele canto sempre me pareceu algo ritualístico, algo entre uma marcha fúnebre e uma ode à morte. Vai ver era mesmo isso. E eu sigo caminhando pelas ruas desertas. Embora ainda seja noite escura, fechada, os pássaros já anunciam a manhã como se ela estivesse aqui. Vai ver está, eu que não vi. Passo numa rua secundária, mais deserta do que as outras, e ouço urros, que a primeira vista me parecem lamentos melancólicos, talvez uma mulher recém-estuprada chorando suas mágoas ao vento, talvez alguma dor forte & funda, algum coração despedaçado. Depois os gritos me parecem algazarra de adolescentes, alguma festa com sexo, drogas & rock'n roll, em plena madrugada de terça-feira, desafiando as regras de cidade pequena, há quanto tempo eu fazia isso também? Não deve ser muito, não sou tão velho... ou sou? Não consigo me lembrar. Por fim percebo que é apenas o choro de uma criança, e por entre cortinas esvoaçantes vejo a luz de uma televisão sem som em um apartamento térreo. Eu nunca entendi porque as crianças choram à noite. Algo a ver com o escuro, algo a ver com pessoas que não existem, monstros embaixo da cama... A noite calma faz minha mente voar mais do que qualquer droga. Eu caminho alienado enquanto os vigias das ruas me observam com atenção, eu, um tipo tão estranho, todo de preto, com longos cabelos cacheados e um chapéu destes que não se usam mais. Talvez achem que eu estou drogado. Ou tentando assaltar alguma casa. Provavelmente os dois. E os passarinhos continuam cantando. Tem um poema famoso que fala alguma coisa assim, sobre passarinhos, alguma coisa como "você passará, eu passarinho", nem me lembro mais... Vejo as placas de rua e viro para o lado oposto, só por diversão. As placas não são para pedestres mesmo, mas eu exercito a minha tendência natural à contrariedade. Eu sempre fui tão contrário a tudo e a todos. Passo agora em frente a uma mini-pracinha, em frente a uma casa colorida, uma creche provavelmente, e isso me lembra os dias felizes da minha infância. Está tão nostálgico esse passeio. Mas há aqui, em frente à essa creche, o cheiro forte de alguma árvore desconhecida, que me desperta mil lembranças, me atirando de volta com força à minha infância, junto com o colorido dos brinquedos. Já é primavera e os mosquitos me comem vivo, enquanto na casa ao lado da creche um cachorro se movimenta e se agita, inquieto por detrás do muro, sentindo a minha presença aqui parado, a minha presença, que eu sempre desconfiei não ser muito boa. Acho que não há cachorro algum. Devem ser apenas passarinhos. Ou gansos. Ando pelas ruas e ouço portas rangendo, mas não há nada. Já estou perto de casa agora. Sinto a manhã se aproximar, embora não haja resquício dela no céu. Deve ser só impressão, uma impressão errada, mais uma... Os pássaros são agora bem mais numerosos, e cantam cada vez com mais força. Passo por uma prostituta em uma esquina e agradeço o convite, mas sabe como é, estou sempre sem dinheiro e ela pode ser um travesti. Ando no meio da rua. Sempre gostei disso. Talvez pela transgressão, talvez pela solidão. Sento-me em uma escada perto de casa. Uma placa balança violentamente, embora o vento pareça ter diminuído. Agora os carros já começam a aparecer. E as vozes. É hora de ir para casa e trancar-me até a próxima noite solitária, trancar-me até que a próxima noite revele o seu esplendor só para mim. E ainda preciso ir tomar o café da manhã com minha mãe. Levanto-me e sigo. A luz de um poste apaga quando passo. Isso acontece sempre. Imagino que deva haver alguma explicação científica, mas prefiro acreditar que são os meus fantasmas. Eu gosto deles. Pessoas que não existem, princípio de esquizofrênia, essas coisas... Não vou contar as páginas, não vou olhar a hora, nada. Alguma coisa eu já devo ter escrito, só espero que seja bom. Vejo a lua alta no céu, pela primeira vez na noite, e ela não parece anunciar a manhã. A luz de uma vitrine pisca incessantemente, e quando eu passo, ela apaga. Fantasmas, esquizofrênia... O vento aumenta agora, estou quase em casa... É tudo mentira. Eu ainda não me levantei daquela escada. Embora a lua, a luz da vitrine, os fantasmas, o vento, as palavras, tudo isso seja real. Agora eu vou-me de fato. Na primeira quadra passo por uma bandeira do Brasil tremulando no alto de um edifício. Escarneço. Acho engraçado, mas daqueles engraçados amargos. Nunca gostei destas porcarias de "ame uma pátria forjada a sangue escravo e venha para o exército". Tampouco fui revolucionário ou esquerdista, sempre gostei de vinhos chilenos e tabaco dinamarquês. Na adolescência tive uns flertes com aquela porcariada toda de República Rio-Grandense, mas já passou. Aliás, todas as pseudo-tentativas de lutas ideológicas da adolescência já passaram. Se é que houve alguma. A verdade é que eu sempre fui um acomodado. Começa a ficar frio agora. A lua continua alta e a manhã parece que não virá hoje. Tenho efeitos retardados de drogas variadas e vejo luzes que não existem cruzando o meu caminho. Um duende joga uma semente no meu chapéu. Duendes são sempre tão brincalhões. Dou voltas pelas quadras ao redor da minha casa procurando prolongar o caminho o máximo possível. Está muito frio agora, mas a noite continua maravilhosa. Quando estou quase chegando em casa um passsarinho pousa aos meus pés e começa a catar umas sementes pelo chão. Acho engraçado, mas desta vez sem o amargor, apenas com nostalgia. É um engraçado com um sorriso meio triste. Quando chego na esquina do meu apartamento todos os passarinhos cantam de uma só vez, e desta vez eu não consigo conter as lágrimas. Tenho vontade de matá-los todos, um a um, esmagando-os entre meus dedos, vendo suas vidas pequeninas esvaírem-se, e suas belas vozes calarem-se. Antes de entrar em casa olho para o céu pela última vez e vejo que um azulado claro começa a surgir. A manhã finalmente chegou. Eu chego em casa gelado. Encontro o elevador no térreo. Eu fui o último a sair, eu sou o primeiro a chegar. Ao entrar no elevador e apertar o botão do sexto andar, tenho a sensação de que algo morre em mim. E o pior é que eu nem sei o quê. Agora não importa mais, já se foi.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ela

Incrível como uma única palavra é capaz de me desmoronar por inteiro. Não entendo de onde vêm essas toneladas de dramas desnecessários. Uma palavra, um gesto, um sorriso meio errado são suficientes para fazer desabar um torrente de lágrimas sem sentido, choro convulsivo e inexplicável, por desejos ainda mais inexplicáveis. Tentativas vãs de achar alguma lógica, algum sentido na falta daquilo que nunca tive, na ausência desesperadora de uma presença que eu não conheço, embora reconheça, delírios de vidas passadas. "O mundo termina fácil, e a vida recomeça num instante." Traduzir em palavras sentimentos que não compreendo é tarefa árdua, e cada vez mais eu me perco em labirintos de idéias vãs, em caminhos que não levam a lugar algum, sabendo que o único lugar para onde quero ir é - talvez - inalcançável. Loucura desvairada perturba minhas noites, tira meu sono, não me permite descansar nem mesmo em sonhos, loucura desvairada de sentimentos sei lá eu por quê dilacerados... Uma palavra, uma ausência... só isso basta. O mundo cai. Assisto a (re)construção que eu fazia pacientemente de mim mesmo ruir - de novo. Até onde isso vai? Gatilho maldito de emoções que dispara quando eu menos espero. Gatilho maldito de sentimentos, e essa mão invisível, cruel e sempre pronta a acabar comigo. Essa menina tão bela e tão distante, intocável, sempre a dilacerar-me em versos sem rima nem métrica, a retalhar-me em prosa solta e perfeita, a filosofia da (auto)destruição. Ah... todo esse drama disparado de longe, como se fosse perto, como se fosse a queima roupa, chego a sentir o calor, o rubor das faces, o sangue pulsante, a emoção vibrante em cores vivas e olhos azuis. Uma libertação escondida atrás do exagero em pessoa. Uma salvação. Outro drama, lágrimas, desesperos, os eternos círculos viciosos de que me falaste tanto, não há escapatória, é só ilusão, mas nós vamos construindo nossas ilusões cada vez melhor, e acreditamos cada vez mais nelas, e quando se desfazem como bruma ao sol, morremos, um pouco em cada ilusão, e cada vez mais, nossas ilusões andam tão reais, nosssas mortes andam tão profundas, meu Deus, aquela dor forte e funda lá dentro, cada vez mais, de novo e de novo e de novo, em círculos sem fim. Toda essa dramaticidade, nós dois, belos sentimentais desperdiçados, atropelados pelo mundo que nos distancia e nos rouba um do outro. Tempo desgraçado, que não permite horas a mais para nos aproximar, algumas horas extras para nós, não para o mundo, deixa o mundo com seu tempo, dê-nos mais horas, só para nós dois, nosso tempo particular, nosso mundo particular, nossa eternidade em um segundo perdido. Nossa eternidade, sempre tão efêmera, tão frágil, tão fugidia. Mas nossa, e por isso intensa, multicolorida, brilhante. Nossa eternidade perdida em um segundo sem dramas, o segundo que buscamos desesperados no meio de tantas horas inúteis de choros desgarrados e vontades suicidas. O nosso segundo. Tudo por uma palavra disparada sem dó... Tudo por uma emoção na hora errada, numa noite, estirado em uma calçada, quando alguém me disse o seu nome e eu pensei: "ela!" E foi ela desde então, sempre ela, e o drama, e os segundos perdidos, e a eternidade. Depois de tudo, é difícil admitir que, para mim, ela sempre foi uma ausência. E é nessa ausência que sempre esteve a minha redenção. Nas suas palavras distantes, no seu pulso firme dedilhando um gatilho imaginário. No fundo dos seus olhos azuis, como duas poças de água cristalina, como uma passagem para a eternidade. Uma palavra. O gatilho. Ela.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

...

tanta coisa, tanta coisa...

sábado, 11 de outubro de 2008

Drama

O drama é essencial. Mas em excesso mata. Como uma overdose. Overdose de drama. Overdose de sentimentos dilacerados. Overdose de solidão. Essa necessidade pelo drama afasta todo o resto. Afasta tudo o que é realmente importante. Afasta todos os que realmente se importam. O drama é um veneno. Uma droga que vicia - e como é difícil largar! Como tudo é difícil...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Marcelo Camelo e Mallu Magalhães - Janta

.

Eu sempre tive o meu mundinho meio à parte. Foi o que me salvou e me amaldiçoou até hoje.

o belo

Nós temos implícito - ou explícito - em nós a eterna busca pela beleza. É como um instinto, enraízado bem fundo no nosso subconsciente. Milan Kundera já falava alguma coisa sobre o eterno senso de beleza que guia a todos nós, pobres mortais desejosos. Mas essa beleza não pode ser apenas estética, ela também precisa ser tão - ou mais - bela em seu interior. Mas não pode ser um belo vazio, pura bondade e ternuras. Necessita-se de um belo machucado, com cicatrizes por dentro, um belo deformado, que só se mostra belo quando observado em certo ângulo. Eu sei que parece ridículo falar dessas coisas de beleza interior nos dias de hoje. E quem lê e me conhece deve estar achando isso uma farsa.

- Cara, mataram o Ryan! Alguém invadiu o apartamento dele, e agora tá postando no blog dele!

Mas não, eu não morri. Apenas a vodka que me fez ir um pouco (ou muito) mais fundo, cavocar, revirar lá no fundo escuro e poeirento, abandonado. E lá, assim, não sei explicar muito bem, acho que eu encontrei algo como um resquício de esperança. Esperança de que, eu não sei. Talvez da vida.

Mas por algum motivo que eu desconheço, tudo isso me fez lembrar do velho Kundera, com o seu sentido estético de beleza, com seu Tomas e sua Sabina.

Mas o que eu queria dizer mesmo é que eu não consigo encontrar o belo, por mais que eu procure. Um vislumbre aqui, outro ali, mas é só névoa sob a luz de mercúrio. Talvez tudo isso seja porque o belo morreu em mim. Lá dentro. Morreu de fome. E sem ter a sua própria beleza inteior, é impossível sentir a dos outros.

sorrir

Eu acho que eu não sei mais sorrir. Sabe, eu sabia quando era criança, mas com o tempo eu acho que eu esqueci como se faz, desaprendi. Sorrir é uma coisa difícil, árdua, precisa de muita técnica e prática. Eu não tenho nada disso. Pelo menos não pra sorrir. Sei lá, às vezes eu tenho a impressão que apenas os sorrisos das crianças são verdadeiros. E hoje em dia elas estão aprendendo a dissimular tão cedo, meu Deus!

Sei lá, um sorriso não ia me servir de nada mesmo.

"Não mais um rosto inchado de mágoa, não mais muros, não mais máscaras: Minha face limpa, e um sorriso apenas."

Sabe, é uma imagem bonita isso. Mas nunca vai ser verdade. Não importa quantas máscaras tu tirares, sempre vão haver mais. Não existe vida sem máscaras, é uma simbiose perfeita, indissolúvel.

E quanto ao sorriso...

são coisas...

"Comentei com Ryan que também já escrevi um poema
e um texto com esse tema: Alma Gêmea...
É, encontrar uma identificação imensa & intensa
com alguém que tanto se buscou, assusta sim.
E penso que nem sempre as almas gêmeas ficam juntas..."
(Sonia Regina Cancine)

Desabafo

Sabe, eu li uma coisa hoje que me fez pensar.

"Algumas respostas precisam ser sentidas sem que haja uma palavra sequer. E são essas que devem valer realmente a pena."

Eu descobri - na verdade eu sempre soube, mas somente agora eu pude aceitar - que eu me apresso muito. Têm coisas que precisam evoluir naturalmente, lentamente, coisas que precisam de uma construção dura e penosa (ou não), e que não se pode simplesmente resolver em um estalo. Este sempre foi o meu problema, os estalos. Às vezes simplesmente me dá um estalo, e o mundo cai. Sou uma pessoa de paixões muito curtas e muito intensas, e é por isso que eu não posso me dar ao luxo de perder tempo, pois assim como o estalo vem, ele vai. E quando não há mais o efeito daquele maravilhoso - maldito - estalo, não há mais paixão, não há mais companheirismo, não há mais nada. Somente a eterna frustração. Sei lá, talvez seja só orgulho ferido, e tu sabes, eu sou leonino, e todo felino fica perigoso quando está ferido.

Bom, eu sempre acabo me envolvendo na minha eterna teia de explicaçãoes desnecessárias, mas eu sou assim mesmo. O que eu queria dizer mesmo é aquilo ali:

"Algumas respostas precisam ser sentidas sem que haja uma palavra sequer. E são essas que devem valer realmente a pena."

Eu não entendo minha pressa e minhas urgências. Mas esse sou eu, (in)felizmente.

Que os nossos deuses saibam nos guiar. Amém.



http://isabelaguiar.blogspot.com/2008/10/still-i-wonder-why-it-aint-right.html

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

...

Poucas pessoas entendem a magia de uma xícara de chá e de um cachimbo.

Almas Gêmeas

Bah, eu só faço merda mesmo. Já passei da fase de conversar por blogs. Até que era divertido, mas eu não tenho mais o feeling. E além do mais, tem coisas que não se diz, que não se escreve, que não se faz. Tem coisas que tu te obrigas a deixar no campo do inconsciente, numa espécie de auto-preservação, pois tu sabes que se aflorar vai ser um caos dolorido e incontrolável, e tu não sabes se terás forças pra segurar mais essa. Minhas forças andam tão parcas ultimamente. Então tem coisas que não se diz, tem perguntas que não se faz, a não ser pessoalmente, independente de quantas horas se passe ao telefone. Mas às vezes a auto-sabotagem supera a auto-preservação, e tu deixas escapar algo, algo que sempre esteve ali e tu fingistes não existir, dissimulastes, mas às vezes tu deixas escapar algo, e ao tomares consciência, mesmo que seja só um vislumbre de consciência, o mundo cai. Eu sei que não se pode tocar o caos e sair ileso. Muito menos possuir a eternidade. Sei que as tentativas vão gerar feridas fundas que talvez não cicatrizem nunca mais. Sei de tudo isso e todos os outros muitos males que não citei. Aliás, eu só sei de males. Nunca acreditei no lado bom das coisas, esse sempre foi o meu defeito, sempre foi a minha fraqueza, embora tenha me poupado muitas decepções. Outro (falso?) mecanismo de auto-preservação, talvez. Eu sei que não estou chegando a um ponto de raciocínio claro, mas também sei que isto é passível de entendimento para quem vivencia. No fundo, o que quero dizer é o que digo sempre: eu sei que tudo vai dar errado, mas eu vou lá e faço mesmo assim. Contra a vontade do mundo, contra a minha vontade, contra a tua vontade. Eu faço para arder, para viver, e depois... bom, eu já sei - já sabemos - o que acontecerá depois. Chegará um ponto em que algo lá dentro vai se quebrar, o amor vai morrer, o pequeno coração de cristal vai se espatifar e nós saberemos que nunca mais nada vai ser igual. Mas mesmo sabendo, tentaremos desesperados, doídos, sofrendo, tentativas cheias de emoções e vazias de sentidos, tentaremos até o esgotamento recuperar aquilo que sabemos irrecuperável. Tentaremos simplesmente porque se não tentássemos não seríamos nós mesmos... Mas isso são apenas previsões vazias. Delírios de uma esperança falsa e forjada a sangue inutilmente derramado, forjada a lágrimas desesperançadas. Uma farsa, essa esperança, essa previsão, tudo. Uma grande farsa, que nem mesmo eu que quero acreditar com todas as forças consigo perceber real. Uma ilusão. Um castelo de cartas. Mais uma foto de um momento que nunca acontecerá para o meu álbum. Para a minha vida. Eu nunca acreditei em milagres mesmo, e meus deuses não vão muito com a minha cara. Então eu repito pra mim na noite vazia, como uma tentativa de consolo, como se servisse de alguma coisa, eu repito baixinho "toda tentativa é válida, mesmo que o final seja amargo", e lembro de todos os meus finais amargos, e de todos os finais que não aconteceram, mas que imaginei amargos, e lembro, por fim, que o amargor forte se assemelha a ardência, que significa vida. Então eu quase consigo sorrir. Todos os meus finais foram de vida, mesmo que cada um representasse uma morte para mim. O fato é que eu nunca encontrei alguém que construísse histórias tão bem quanto eu, alguém que encaminhasse sua vida rumo ao desastre com tamanho capricho e perfeição, alguém que se auto-preservasse e se auto-sabotasse tanto que se reduzisse a uma pessoa intocável para o mundo e para si mesma, uma pessoa tão intocável e tão solitária, com toneladas de uma compreensão tão bonita e tão sangrada, uma pessoa que não se deixa amar, que não se permite viver, mesmo sendo pura intensidade. Nunca pensei encontrar uma pessoa assim tão eu, e agora que encontro, olho e me assusto. Me assusto com ela, me assusto comigo, me assusto com a possibilidade de estarmos juntos e me assusto ainda mais com a possibilidade de não estarmos. No fundo, sabemos como tudo acabará. Conhecemos de cor todo o caminho tortuoso. Conhecemos o fim amargo que, mesmo sendo de vida, deixa um gosto ruim na boca. No fundo, nós sabemos que acabaremos sozinhos, intocados, intocáveis, vivendo nossas grandes e maravilhosas mentiras, gritando pro mundo a nossa vida maldita escolhida a dedo, mostrando a todos a nossa superioridade sagrada, não deixando ninguém ver lá dentro, o buraco vazio, oco e escuro, não deixando ninguém ver o nosso coração.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Confissão

Putz, eu sou insano. Te aquieta coração. Isso é aquela história de cruzar dois pombos volteadores de altitude. Os filhotes irão voar muito alto, e ao darem a volta baterão no chão e irão morrer. É ilusão. É mil vezes ilusão e tu sabes disso. Não adianta ficar repetindo sobre hipérboles/intensidades/exageros/compreensões/e-tudo-que-há-de-mais-sagrado-e-bonito. É ilusão. É suicídio. É perigoso demais. Mas o abismo sempre cativa, não há como resistir. Não é pra fazer sentido, é mais como uma auto-advertência, do tipo "tu já sabes o que vai acontecer, então porque tu insistes". Porque eu sei que se houver sofrimento, será o sofrimento mais absurdo que poderá existir; sei que se houver drama, será mais dramático que a pior das novelas mexicana; sei que se houver dor, será a mais excruciante de todas as dores. E eu preciso dessa intensidade/liberdade/visão-de-mundo/presença. Porque, embora eu nem acredite mais nisso, pode have outra coisa também, aquela coisa de olho-no-olho, aquela compreensão sangrada de tudo, aquele saber inconsciente arrasador, pode haver até mesmo, quem sabe, numa hipótese remota, veja bem, isso não é um pedido, é apenas uma divagação hipotética, mas pode haver amor. E amor nessa intensidade sempre é fatal. E por ser fatal dá a única e verdadeira sensação de vida. Como a ardência. A ardência te faz sentir-se vivo. E esse amor deve ser ardido, doído, dramático. Um amor sem limites e com função filosófico-criadora. Um amor que (quase) ninguém vai entender, mas que todos irão saborear. Um amor saboroso. De dar água na boca. Uma vertigem, um turbilhão. Não há como sobreviver a isso. Não há como negar-se às possibilidades inerentes à intensidade compartilhada. Não há como explicar. Não há como explicar, só há como sentir, mas este sentimento é para poucos. Para explicitar, feche os olhos e imagine um vulcão entrando em erupção... agora imagine um maremoto... agora um furacão... agora uma bomba atômica... No fundo, são apenas representações do caos. Mas o caos original está no amor. No amor original, fatal. O que eu quero dizer com tudo isso é que eu não seria eu mesmo se não me jogasse de cabeça. Como eu disse, eu já sei o resultado e não me importo nem um pouco. O importante é o caos que vai explodir até chegar lá.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

.

De volta ao lar.



Por enquanto.

sábado, 13 de setembro de 2008

Diário de Viagem - Parte VII

13/Set (16º Dia)
Os últimos dias em Buenos Aires têm sido tediosos. Já vimos tudo o que havia para ver, não há mais novidades.
Permanecemos a maior parte do tempo em nosso albergue, comendo batatinhas-fritas.
Estou lendo “On The Road”, do Jack Kerouac – realmente, nada mais propício – que sem dúvidas é o melhor livro de todos os tempos. Estou escrevendo muito e finalizando os originais do meu primeiro livro.
No mais, acho que estou engordando, e aqui faz muito frio.

A Maçã

Foi um estremecimento moral, existencial e até mesmo físico. Não sei explicar exatamente o que houve. A vida parecia normal. Um dia qualquer, um dia comum. Mas aí aconteceu. Eu não podia acreditar, eu não podia entender. Aquilo não fazia sentido na minha cabeça – na verdade, acho que não faz sentido até hoje. Eu nunca entendi bem o que realmente aconteceu naquela noite. Estávamos todos lá, era uma noite de outono, fria, porém agradável. Ninguém poderia esperar algo assim. Na verdade, eu acho que ninguém notou. E como poderiam notar? Foi tudo tão bem executado. O destino caprichosamente preparou cada detalhe. A noite, o vinho, as pessoas. E aquele caos entrando em ebulição secretamente, panela de pressão pronta para explodir no meio do berçário. E os bebês dormiam. Como eu já disse, não há uma explicação lógica para o que aconteceu. Foi um fenômeno interno. Cósmico. Astral. Filosófico. Existencial. Foi algo que abrangeu todas as instâncias do seu ser. Algo que o marcou e modificou para toda a vida. Um instante decisivo. E houve algo que simbolizou tudo isto: uma maçã. Ele sempre preferira morangos, mas o momento de sua vida ficou inscrito para sempre em sua memória sob o signo de uma maçã. Estavam todos na sala, deleitando-se com suas futilidades e trivialidades. Ele fora sozinho até a cozinha, onde permanecera. Lá estava a maçã, solitária e brilhante sobre a mesa. Quando ele viu a maçã, aconteceu. No fundo de sua alma ele soube, e a partir daí nada mais voltaria a ser o que era. Olhando fixamente para a casca brilhante da maçã, ele pôde ver algo incrível, inacreditável, indizível. Ele viu a si mesmo. E naquele reflexo avermelhado ele olhou no fundo dos seus próprios olhos, e se deu a catarse. Só o que restou daquela maçã foi a camisa de força e o quarto acolchoado.

.

O obelisco é só um poste.

Tergiversações Filosóficas III

É perigoso chegar ao limite. Ao fundo do poço. Ao extremo da decadência. É preciso cruzar todas as fronteiras para se descobrir quem realmente é. O comodismo não leva a lugar nenhum. É preciso sangrar o sangue quente e ali molhar sua pena. É preciso penar. É preciso angústia. É preciso Agonia. E mesmo que no final não valha pra nada, será sempre uma tentativa, e a tentativa em si, já vale alguma coisa. E o que nos resta são as tentativas. Mas os pesadelos nunca irão cessar. Cada um tem que seguir o seu próprio caminho, por mais difícil que ele seja. E mesmo que no final não haja glória nenhuma – nem no começo, nem no meio – restará uma sensação que se assemelha a de um dever cumprido, mas não será questão de deveres, será apenas o destino se cumprindo e os ciclos – círculos – se findando – e reiniciando. Como já dizia minha amiga Carla, os círculos são as formas geométricas que carregam mais significados filosóficos. Todos nós vivemos os nossos círculos, um dentro do outro. Mas o que acontece quando se rompe um círculo? Quando se quebra uma barreira? A maioria das barreiras são psicológicas. Os círculos também não serão? Talvez seja um pacto do nosso inconsciente que nos leva a repetir sempre as mesmas situações – por mais dolorosas que sejam – pois mesmo a pior dor já estará prevista, e o certo não amedronta. O que dá medo é o desconhecido. Não serão os círculos as proteções psicológicas do nosso inconsciente? E como lutar contra isso? Como lutar contra o nosso inconsciente? Como lutar contra nós mesmos? Será um caso clássico de dupla personalidade ou apenas uma percepção exagerada – o exagerado é mau, nós convencionamos. Tudo são percepções. Tudo são ilusões.

Tudo é maya / ilusão ou samsara / círculo vicioso.

De resto, é seguir em frente, sempre com os olhos fechados e com muita calma. Mas cego eu nunca fui e calma eu nunca tive. Um trem desgovernado e sem freio. Um trem sem qualquer controle e que nada nem ninguém possa parar. É essa a imagem que me vem a mente sempre que eu penso em mim mesmo. Um trem. E nestes trilhos – que são a vida – tudo é possível. Mas como não há controle, a sorte e o destino se fundem, e nada é previsível. O que eu quero dizer é que não basta viver, há que se sentir o caos penetrando fundo na carne. Há que se sentir a vertigem. Há que se sentir o vento nos cabelos durante a queda no abismo. Há que se degustar com todo o deleite os momentos que precedem o momento final. E todos os momentos são finais.
A vida acaba aqui.

Tergiversações Filosóficas II

Toda amargura e angústia me corroem por dentro, mas não cai uma lágrima sequer.

Tergiversações Filosóficas I

Eu devo ser extremamente desajustado. Não me ajusto em lugar algum. Fujo de casa, troco de cidade, mudo de país e a insatisfação continua a mesma. Talvez eu deva fundar um culto satânico, uma seita que promova sacrifícios, e realizar uma cerimônia de suicídio coletivo. O porquê não é importante. O que importa é o que falta. E sempre falta. Muito. Demais. E é essa falta que me consome, essa ausência de tudo... até de mim mesmo. Mas o fato é que nada muda. Já sei que não há fugas possíveis, mas isso não invalida as tentativas. Lajeado, Porto Alegre, Buenos Aires, Quinto dos Infernos... é tudo a mesma merda. É sempre a mesma situação, a mesma armadilha, a mesma corda no pescoço. Deus não salvou os inocentes que arderam nas fogueiras e Deus não salvará os que hoje queimam lentamente na fumaça da poluição. Deus morto está, porque o matamos nós. Nós mortos estamos e as crenças viraram bobagens. O fim não é a morte, não é o apocalipse: o fim é essa inércia absoluta – de todas as coisas – em que vivemos. O fim é o cotidiano. O fim é a rotina. O fim é lavar a roupa todo dia sem tempo nem consciência para a agonia. O fim é nem mesmo agonizar mais. O fim é se conformar, pedir a conta, levantar e seguir adiante. O fim é a vida.

.

O princípio da sabedoria é a dúvida.

Diário de Viagem - Parte VI

04/Set (7º Dia)
O clima metropolitano desta cidade já está me afetando. É tudo muito acelerado. Estou estressado, tenso, cansado. Não durmo bem à noite, tenho pesadelos, me agito. Acordo cansado. Já estou sem forças. Nós temos pouco dinheiro e as coisas não estão dando certo. O frio finalmente chegou à Buenos Aires e parece que é agora que a jornada finalmente vai começar. Pelo menos a jornada espiritual.
Graças ao nosso amigo colombiano, hoje nós descobrimos onde fica o Carrefour. Descobrimos também que moramos mais perto do centro do que pensávamos. Mas como nem tudo são flores, fomos almoçar no Ouro Fino Café, na Avenida de Mayo, e descobrimos que nem todos os cafés de Buenos Aires são maravilhosos. O ambiente até que era bonitinho, mas os cafés eram horríveis e a comida intragável.
Estamos cansados. Viemos para casa cedo.

Hoje finalmente compramos todos os apetrechos necessários para fazer funcionar a nossa mini-cozinha, e teremos uma bela refeição com cappuccino bem quente (porque afinal, está um frio do caralho), um pacote gigante de “Papas Fritas Clássicas Lays” (as melhores batatas-fritas do mundo) e uma lata de biscoitos amanteigados (divinos). Nós precisávamos de uma refeição decente depois do nosso almoço fracassado.

Hoje descobrimos também um supermercado na rua Piedras, aqui bem pertinho do albergue. Um super onde há grande variedade de cervejas de um litro por preços módicos, onde há garrafas de Coca-Cola retornáveis e também várias ofertas de vinhos (Gato Negro e Reservado Concha y Toro por 6,80 pesos cada).
À noite voltamos para o albergue, onde o Miguel – nosso amigo colombiano – nos informou que é muito fácil conseguir o visto na imigração – mediante um pagamento de cerca de 200 pesos por pessoa.
Agora à noite a Karina finalmente conseguiu ligar pra casa. As ligações internacionais aqui são muito baratas. Na verdade, todo o custo de vida em Buenos Aires é muito barato – inclusive os programas culturais, afinal, Buenos Aires é uma cidade culta. Aqui se transpira cultura, mas nós continuamos pobres, e apesar do baixo custo de vida, o teatro e os shows de tango ainda nos são inviáveis.
Estou cansado.

Final de noite: Os fósforos do Afonso estão acabando. Comprei um isqueiro lilás para acender os incensos que comprei dos hippies. A noite acaba entre goles de Amarula (cortesia do Afonso) e ao som de Cássia Eller.

Diário de Viagem - Parte V

03/Set (6º Dia)
Pelo segundo dia seguido almoçamos no Burger King, que é um lugar bom, barato e que nos deixa bem alimentados.
À tarde nós finalmente fomos na Embaixada do Brasil (onde os recepcionistas não falavam português). Eles nos mandaram para o Consulado do Brasil (onde os recepcionistas também não falavam português). Do Consulado nos mandaram para a Imigração (onde, provavelmente, os recepcionistas também não falam português). Iremos lá amanhã.
Hoje também conhecemos a Plaza San Martín, onde vimos o Palacio San Martín, o Farol de la Plaza San Martín (presente dos britânicos à Argentina) e o monumento aos mortos na guerra das Malvinas.

Descoberta do dia: Na Plaza San Martín há um grande gramado, que é um belo lugar para deitar ao sol. Adorei a idéia.

Bem, pelo menos as nossas perambulações atrás do visto tiveram um lado bom: nós descobrimos um apartamento para alugar, num prédio antigo, numa ruazinha pouco movimentada, nos arredores da Plaza San Martín. Amanhã ligaremos para a imobiliária.
O final do dia foi estressante. Pegamos um metrô lotado. Não conseguimos descer na nossa estação. Tivemos que descer na estação final e andar até em casa. Chegamos exaustos. Este episódio rendeu até um conto. Bem, por enquanto é isso.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Metrô

Às vezes me dá uma sensação de perda, esta viagem. Como se tudo que eu tivesse conquistado ao longo destes últimos anos agora tivesse se perdido. O dragão de bronze, o bonsai de jabuticaba, os livros – cuidadosamente empilhados um a um, com muito carinho, na estante –, o apartamento confortável e aconchegante. Ficou tudo pra trás. Junto com os amigos e com a família, que é o que realmente faz falta. Ficou tudo pra trás. Eu vim pra cá com nada nas mãos e um punhado de esperanças tolas no coração. É burrice, eu sei. Mas era preciso. Uma nova cidade, um novo país, um novo idioma. Mas tem dias em que eu me pergunto o quanto era preciso. Dias como o de hoje, em que depois de várias horas de caminhadas inúteis e buscas frustradas, eu me enfio embaixo da terra e tomo um metrô lotado. Então, no meio daquela falta de oxigênio e pressões por todos os lados, me vem uma espécie de revelação, e eu penso se tudo isto era realmente necessário. Ao ver a minha estação passando e perceber a minha total imobilidade, sabendo que terei que descer na última estação e caminhar até em casa, eu que já estou tão cansado, tão cansado, tão cansado, sou tomado por uma raiva cega, que tira forças sei lá de onde, e subo escadas correndo e cruzo viadutos em meio ao trânsito caótico correndo e amaldiçôo a decisão de ter saído da minha vida confortável com cama macia e bons vinhos chilenos, amaldiçôo o fato de eu estar aqui. Quando percebo estou na porta de casa, quando dou por mim estou no meu quarto, exausto, sentado na cama, cabeça enterrada entre as mãos, lágrimas correndo. Estou tão cansado que nem sei mais porque choro. Talvez eu chore por tudo que se perdeu. Mas o mais provável é que eu chore por tudo que ainda se perderá. Estou exausto desta vida. Tiro os tênis, deito na cama. Não para dormir. Para esquecer. A vida é cruel, a vida destrói. E tem dias em que eu não sou forte o suficiente para agüentar. Mas da próxima vez que um destes dias vier, eu vou lembrar de não pegar o metrô.

Diário de Viagem - Parte IV

Dia 2

Cena do dia: Estávamos, Karina e eu, caminhando tranquilamente pela rua Florida, quando de repente, no meio do calçadão, pára um senhor com um grande estojo de algum instrumento musical. Ele simplesmente tira uma harpa – enorme! – de dentro do estojo e começa a tocar. Dispensa comentários.

Diário de Viagem - Parte III

Dia 1

Entre 5h e 7h: Tive um pesadelo. Eu sei que parece banal dito assim: tive um pesadelo. Mas as sensações foram muito reais. No meu pesadelo eu estava deitado no meu quarto no albergue. A Karina estava deitada do meu lado, mas estava dormindo. Uma mulher se aproximou pelo meu lado da cama. Parecia cigana. Usava um longo vestido vermelho e tinha longos cabelos negros. Era muito bonita, mas sua beleza era fria, dura, má. Ela debruçou-se sobre mim. Seus cabelos caíram por sobre o vestido. Eu senti que ela ia me faze mal – provavelmente ela estava tentando me matar, embora não tocasse em mim. A sensação de impotência diante da morte eminente foi assustadoramente real. Foi horrível. Acordei apavorado. Provavelmente ela é um carma meu, que aproveitou um momento de fragilidade para me atormentar.

Manhã: A wireless do albergue é ótima, a rede mais rápida que eu já usei. Pela manhã nós descobrimos o endereço da Embaixada do Brasil em Buenos Aires e tivemos mais uma tentativa fracassada de habilitar o roaming internacional dos nossos celulares. Ok, nós devíamos ter feito isso no Brasil, mas de qualquer forma, o site da Tim é uma bosta e os números para ligações internacionais não funcionam. Em compensação, tem uma loja da Claro em cada esquina por aqui. Acho que vou trocar de operadora.

Bom, depois de tomar café e de ver o que precisávamos ver na internet, nós fomos visitar a Universidad Abierta Interamericana, que fica praticamente na frente do nosso albergue. O simpático atendente, que falava em um espanhol pausado e muito bem articulado, passou todo o tempo do mundo nos dando todas as informações necessárias – e mais algumas – para caso desejássemos ingressar na UAI. Depois ele deu-nos por escrito todas as informações que havia nos explicado – eu quase me emocionei. Bem, dentre as informações mais importantes eu destaco o valor da mensalidade da UAI: 343 pesos argentinos. Creio que não preciso comentar mais nada. Mas apesar do valor irrisório, ainda não sei se nós vamos ingressar na UAI, pois eles exigem uma tonelada de documentos devidamente reconhecidos, registrados e traduzidos.

Meio-dia: Por volta das 11:30 nós pegamos o metrô para o centro e almoçamos no shopping da rua Florida.

Tarde: Nós fomos passear por alguns sebos da Avenida de Mayo e, para minha frustração, embora vimos muitos livros antiqüíssimos, não encontramos nenhum realmente interessante. Prefiro mil vezes os sebos de Porto Alegre.

Nós percebemos que existem algumas “modinhas” correntes aqui em Buenos Aires, como, por exemplo, a moda “Eu uso franja emo” ou a moda “Eu não penteio o cabelo” ou a moda “Eu tenho um rabinho arrebitado no meu mullets”.

Nós dormimos pouco esta noite e ainda estávamos cansados das longas caminhadas de ontem, então voltamos para casa às 14:30.

Tarde – Parte II: Não ficamos em casa por muito tempo. Logo saímos em busca de um grande shopping. Pegamos o metrô na Estación Constitución, depois pegamos uma conexão na Diagonal Norte e descemos na Estación Carlos Gardel, que já sai dentro do magnífico shopping Abasto, na Corrientes.

O shopping é extremamente maravilhoso. Tem ótimos cafés, tem uma boa livraria, tem um belíssimo restaurante italiano... tem um parque de diversões. Sim, isso mesmo. Tem um parque de diversões dentro do shopping. Com direito à roda gigante e barco viking. O shopping tem uma estrutura enorme e muito bonita. Lembra muito aquelas antigas estações. Na verdade, o shopping Abasto lembra-me muito a Estación Constitución.

Bem, eu estou escrevendo sentado no ambiente mais legal do shopping. Bem no centro da praça de alimentação – que é formada basicamente por cafés e restaurantes orientais – há um tablado alto, de madeira, de forma circular. Por toda a borda deste círculo existem sofás e mesinhas baixas pra ti deitar, esticar as pernas, tomar um capuccino, descansar, pensar na vida, ler, escrever, o qualquer outra coisa que te apeteça. Também se pode ficar “viajando”, o que é mais provável, pois do teto pendem três enormes – enormes mesmo – lâmpadas com aquelas luzes terapêuticas que ficam mudando de cor. Cromoterapia de graça no meio do shopping. Acho que eu vou dormir agora...

Tarde – Parte III: Bom, no shopping nós encontramos uma ótima livraria. A Karina me deu um livro do Ken Follett, “Los Pilares de la Tierra”, 1500 maravilhosas páginas de um espanhol que eu consigo ler – ao contrário daquele “Don Quijote” infernal. Tinha outra livraria no shopping, mas o segurança não era um cara legal. Ele me fez trancar o meu copo gigante de Coca-Cola do McDonald’s no armarinho de guardar bolsas.

Obs: Havia painéis espalhados por todo o shopping, com a foto da Amy Winehouse e com a frase: “Livinla vida loca”.

Depois nós fomos ao hipermercado que há na frente do shopping para comprar suprimentos, e voltamos para casa. Pegamos o metrô na hora do rush. Não existia oxigênio dentro dos metrôs e nem dentro das estações. A temperatura devia estar em torno de uns 60ºC.

Noite: Chegamos em casa mortos. Vamos comer e depois eu vou apreciar o meu belíssimo livro novo. Estou inspirado para ler em espanhol. O clima da cidade é contagiante. Eu já estou pensando em espanhol. Agora, quanto ao outro clima, o meteorológico, este é uma merda. A cidade é muito poluída e o ar parece muito seco. Nós passamos o dia inteiro na rua. Quando nós voltamos é que eu pude perceber os efeitos do clima de Buenos Aires: o nariz irritado, os olhos irritados, as unhas pretas, a boca e a garganta sempre secas, os lábios rachados. Creio que o clima daqui também não deve fazer muito bem pra pele. Nem pro cabelo.

Bom, por hoje é só. Amanhã eu acho que nós finalmente vamos à Embaixada do Brasil.

Buenas Noches!

Diálogo da noite: Eu comentando sobre as bochechas da Karina.

– Tu parece um baiacu inflado.

– Eu não pareço um baiacu inflado!!!

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Diário de Viagem - Parte II

Dia 31

Manhã: Acordamos e tomamos café. O choque inicial já se desfez. O albergue não parece mais tão ruim. Na verdade, é até um lugar simpático, com pinturas hippies nas portas e fotos de Diego Maradona por todo lugar.

Manhã: Saímos para dar uma volta e conhecer Buenos Aires. Está quente aqui, achei que estaria bem mais frio. Caminhamos pelos arredores do nosso albergue, que fica no bairro de San Telmo. Descobrimos que estamos hospedados perto da Plaza Constitución. Descobrimos os nossos possíveis trajetos nas linhas do metrô. Nós embarcamos na Estación Plaza Constitución ou na Estación Entre Rios e descemos na Estación Bolívar ou na Estación Catedral ou na Estación Piedras. Nós já demos umas voltas pelo centro. Vimos a Plaza de Mayo e a Casa Rosada. Estou encantado com os prédios históricos e as ruelas do centro velho. Os pombos da Plaza de Mayo são um espetáculo a parte.

Meio-dia: Encontramos um belo lugar para almoçar. Ok, as pessoas no Brasil não vão acreditar no que eu vou dizer agora, mas lá vai: Nós almoçamos no McCafé. Uma cafeteria do McDonald’s. E que cafeteria. Possivelmente a melhor cafeteria em que eu já estive. Extremamente requintada. Um ambiente de extremo bom gosto, digno de Buenos Aires, e que não lembra em nada as redes de fast-food norte-americanas. Tudo com muito requinte. As bandejas, as taças de café, os guardanapos – um parêntese para os guardanapos: os guardanapos mais requintados que eu já vi. Os cafés eram enormes e deliciosos. Possivelmente os melhores cafés que eu já provei. Ah, e ao contrário de muitas cafeterias do Brasil, aqui os cafés vêm acompanhados do famigerado martelinho de água mineral com gás – isto é muito importante. Para completar, uma bela música ambiente.

Obs: Durante o almoço eu e a Karina convencionamos chamar o nosso quarto no albergue de “Lugar Onde Estamos Ficando”, já que não conseguimos encontrar uma denominação adequada para lá.

Obs II: Durante o almoço eu descobri que a Karina ainda não está falando espanhol porque ela acha que fica pernóstico.

Tarde: Passamos a tarde caminhando pela rua Florida. É um calçadão, ao estilo da Rua da Praia em Porto Alegre, mas é bem mais comprida. Divertimo-nos entrando em várias galerias. Mas a nossa principal diversão foram as livrarias. Há inúmeras livrarias na rua Florida. E são todas ótimas livrarias, com vários andares, todas com cafés em seus interiores e algumas com salas de leituras – olha que coisa genial: tu não precisas comprar os livros, tu podes pegar um na estante, sentar na sala de leitura, ler, depois colocar de volta e ir embora. Nestas livrarias existem muitas coisas que normalmente não se encontram nas livrarias do Brasil, como coleções completas de Edgar Allan Poe e Henry Miller, Obras Completas de Cortazar, coisas assim. Outra coisa que também chamou muito a minha atenção nas livrarias daqui foram as seções infantis e juvenis. Aqui as crianças lêem, e lêem “livros com páginas”, como diria o Tiu fiu (isto me lembra que encontrei as coleções completas da Mafalda e da Maitena). Os livros para crianças que se vendem aqui são belos livros, e não aquela porcaria que há no Brasil.

Bem, encontramos muitas coisas na rua Florida. Ela é repleta de artistas de rua. Mas o que mais nos chamou a atenção foram os cafés. Há alguns cafés charmosíssimos na rua Florida. Pudemos ver também toda a beleza e o esplendor dos grandes prédios históricos, embora, infelizmente, muitos deles tenham que conviver com as pichações e o abandono. Buenos Aires é uma cidade de contrastes. Vimos alguns mendigos, artistas de rua, hippies, turistas italianos, mas o fato é que a cidade está infestada de emos. Tu vai vê-los em qualquer lugar para onde olhares. São tantos os contrastes de Buenos Aires que é possível até mesmo encontrar uma loja chamada “New Coliseum”.

Bem, como descobertas importantes no setor de logísticas, nós descobrimos que a nossa linha de metrô é a linha “C”, e que podemos pegar o metrô na Estación Plaza de Mayo e chegar a Estación San Juan que, para nossa surpresa, fica na esquina do nosso albergue. Nossos passes de metrô – detalhe: a passagem do metrô custa 90 centavos de peso – indicam que nós fomos para o centro às 11:18 e voltamos às 16:31. Mas como até nós encontrarmos a Estación Entre Rios nós já havíamos caminhado muitos quilômetros, e andamos muitos mais no centro, às 16 horas nós já estávamos mortos. Então tomamos um café reforçado no McCafé, com direito à croissants amanteigados e muffins de chocolate. Depois voltamos para o “Lugar Onde Estamos Ficando”. No caminho descobrimos onde fica o famoso Grand Café Tortoni. Como descoberta do final do dia, posso acrescentar o fato de que o nosso albergue não tem lavanderia. Mas de acordo com o Matias, nosso simpático atendente, existe uma lavanderia há uma quadra e meia do albergue.

Aqui escurece muito cedo, por volta das 17:30. Como estamos sempre muito cansados, nós dormimos cedo. Ontem fomos dormir às 18:30, e só acordamos 14 horas e meia depois.

Nossa programação para amanhã envolve ir à Universidad Abierta Interamericana e tentar conseguir uma vaga lá. Depois vamos à Embaixada do Brasil tentar um visto de estudante ou qualquer coisa parecida, pois o visto de turista só é válido por três meses e não permite exercer atividades remuneradas. Também vamos tentar habilitar o roaming internacional dos nossos celulares para não ficarmos tão incomunicáveis.

Nós ainda não decidimos se ficaremos aqui em Buenos Aires por mais de um mês. Por enquanto estamos em dúvida entre três opções: ficar aqui, ir para Montevidéu ou ir para Santiago. Também pensamos em ir para Belo Horizonte – não me pergunte por que – mas isso vai ficar para mais tarde.

Amanhã eu provavelmente terei que ir lá na sala do albergue para postar isso, afinal, a wireless não funciona aqui no quarto.

Bueno! Acho que vou dormir.

Noite: Ainda não dormi. Há pessoas correndo pelos corredores do albergue, gritando coisas em espanhol. É divertido.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Diário de Viagem - Parte I

Dia 29

Noite: O ônibus sai de Porto Alegre com direção à Buenos Aires com uma hora e meia de atraso.

23h58min – Eu e a Karina começamos a namorar oficialmente. Pela terceira vez.

Dia 30

Madrugada: O ônibus parou por meia hora na garagem, em Uruguaiana, para um conserto.

Manhã: O ônibus quebrou a 3 horas de Buenos Aires. O motor estourou. Esperamos cerca de uma hora até o outro ônibus chegar.

Tarde: Chegamos na rodoviária. Dois carregadores de malas praticamente nos assaltaram. Prejuízo: 50 pesos. E o cara que chamava os táxis ainda ficou rindo da nossa cara.

Tarde: Chegamos no albergue, que não é exatamente como aparecia no site. Eu diria que é bem pior. Meu Deus, o lugar é horrível!

Obs: Ok, eu admito, as coisas não começaram muito bem. Mas tudo vai melhorar. TEM QUE MELHORAR!

P.S.: Eu estou A-PA-VO-RA-DO.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bula

Eu sou proibido

para menores

de 18 livros.

Contra-indicado

para pessoas

com nível de abstração

inferior ao nitzscheano.

Causo efeitos colaterais

como corações partidos

& dores de cabeça,

além dos clássicos

náusea, vômito e diarréia.

Eu sou venenoso,

e até mesmo fatal

se ingerido em altas doses.

Causo alucinações

e sou contra-indicado

para quem tem síndrome de pânico

& epiléticos em geral.

Eu vicio.

Eu mato.

Eu sou a morte

em vida.

Eu sou a morte

por escolha própria.

Eu sou o suicídio

involuntário.

Eu não sou nada.

Amém.

Pseudo-tentativa de auto-análise de merda

E eu consegui estragar tudo pela milésima vez. É um talento natural. Como o futebol do Ronaldinho Gaúcho antes dele se perder como todos nós. O Ronaldinho tem talento pra driblar, eu tenho talento pra foder com a vida. Daí eu ponho uma música lenta e tento uma reflexão, mas na verdade eu já desisti de tentar me analisar. Chove lá fora e isso não é nenhum clichê literário: chove compulsivamente há semanas, meus três pares de tênis estão molhados e meu sobretudo parece que caiu na piscina. Eu sei que comprar uma caneta do R$60,00 não vai me fazer escrever melhor, mas vale a tentativa. Os vinhos, a vodka, os cigarros: tentativas. Tentativas de encontrar uma arte que me ultrapassa. Arte. Esta arte é mera desculpa corriqueira que eu dou enquanto continuo fodendo com a minha vida e com a vida de todos que se aproximam de mim. Principalmente as mulheres. Tento viver demais em pouco tempo, tento suprir tudo que me falta, mas eu nem sei mais de que eu sinto falta. Acho que eu nunca soube. Uma busca às cegas. Fadado ao fracasso, fadado à morte, fadado à qualquer outra merda que não esta em que vivo. Enquanto como alternadamente, divididas pelos dias da semana, aquelas duas meninas que me amam, eu fico me perguntando qual delas eu desprezo mais. Tenho nojo de mim mesmo, mas não consigo ser diferente. Como diz meu amigo Juliano, estou “estragado” por dentro. Tudo pela ação criadora. Boas leituras & más vivências. Esperando que dê frutos, esperando que dê resultados, esperando sucesso/reconhecimento/dinheiro e algumas piranhinhas a fim de dar a noite toda. No fundo, é tudo enrolação. O que eu quero mesmo é uma boceta pra foder. Mas não por muito tempo. Acho que depois que você goza uma certa quantidade, digamos uns dois ou três litros de porra dentro da mesma boceta, ela torna-se repugnante. É por isso que o rodízio de bocetas é tão importante. Porque chega uma hora em que a náusea supera o tesão, e ao invés de gozar eu vomito. O efeito é quase o mesmo, mas as bocetas – quer dizer, as mulheres – não gostam muito. Minha cara sempre fica dormente com tanta vodka. Tenho dificuldade em segurar a caneta, preciso desenhar as letras enquanto Billie Holiday me atormenta nesta semi-penumbra. Não adianta: enquanto eu não morrer – de novo – eu não vou conseguir escrever.