quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Espera

Eu lia Dostoiévski e ficava com uma depressão absoluta e incompreensível. Eu sempre gostei das minhas depressões absolutas, mas não conseguia conviver com nada que me fosse incompreensível. Então eu parava de ler Crime & Castigo, sempre na segunda parte, sempre por volta da página 110, e ia procurar contos beats na internet. Procurava algo que me dissesse alguma verdade besta, amarga e plenamente compreensível. Andava numas nóias de escrever contos de um intimismo nojento, meloso e doentio, sobre um amor platônico por uma menina de Porto Alegre. A minha relação com a palavra amor sempre foi muito engraçada. Eu, escritor maldito, showman de uma desgraça forjada, andava sempre pregando aos quatro ventos que o amor não existia. Não perdia uma oportunidade.

– Eu não acredito nessas coisas.

Mas qualquer menininha idiota que via os meus textos na internet se dava ao direito de vir me dizer “e tu ainda diz que não acredita no amor...” Eu ficava furioso. Eu decidia minhas crenças, e nenhum texto canalha & cretino iria mudar minhas falsas verdades. Digo falsas, porque eu nunca acreditei em verdades. De nenhum tipo. Mas daí eu estava naquela nóia de escrever contos intimistas para a menina de Porto Alegre. Ela era meio filósofa, e me influenciava com a sua prosa estranha. Nós chegamos à conclusão de que éramos, ambos, viciados em drama. Apesar disso, ela não falava – nem escrevia – com clareza sobre o que acontecia. Eu mandava mensagens bêbado e ela permanecia em silêncio. Às vezes, não atendia o telefone. Eu já estava ficando de saco cheio e com vontade de mandá-la se foder. Eu nunca fui um cara de amores platônicos. Eu não tenho paciência pra isso. Descontava minhas frustrações em tardes & noites de sexo esporádico com duas ex-namoradas, alternando os dias. Mesmo assim, tesão andava sendo uma coisa difícil pra mim. Eu já havia feito o Kama Sutra completo com as duas, e não havia mais novidades. Até tentei convencê-las a fazer um ménage, mas não rolou. Permanece até hoje como minha única fantasia não realizada. Mas o problema principal era o tédio daqueles dias. Eu havia voltado de Buenos Aires há um mês, e nesse mês não havia acontecido absolutamente nada de interessante – fora o meu consumo descomunal de bebidas alcoólicas diversas. Funcionava assim: eu ficava entediado e bebia. Eu não trabalhava e havia trancado a faculdade de jornalismo. Passava as madrugadas bebendo e os dias dormindo. Não conseguia dormir à noite, estava com umas paranóias a respeito de fantasmas. E havia um gnomo no meu apartamento. Pelo menos ele cuidava das plantas, já que eu sempre fui muito relapso com isso. Eu só não estava usando drogas mais pesadas por falta de oportunidade. Às vezes me sentia meio fake nesse papel de escritor maldito, a la Caio F., que no fundo tinha uma paz espiritual, adquirida das religiões orientais. Às vezes me parecia que eu estava sufocado numa agonia, meio a la Juliano Guerra, eu que nem sou tão canalha, que dissimulo e finjo não acreditar no amor. O que aconteceria depois eu não sabia. Tinha planos de me mudar para Porto Alegre, lançar um livro, exercitar a minha paciência em um ou dois semestres de uma faculdade de letras qualquer. No fundo, eu tinha 21 anos, três faculdades trancadas e nenhuma perspectiva de futuro. Minha mãe ficava quase louca, e tentava desesperada fazer com que eu me interessasse por alguma coisa. Não adiantava. Eu me interessava por uma filósofa gostosa de Porto Alegre, boa literatura & alucinógenos. O resto não me importava. No fundo, eu estava cansado. Às vezes olhava os meus amigos formandos, com suas vidinhas bem estruturadas, e sentia pena e inveja. Na mesma proporção. Mas eu sabia que aquilo não era pra mim. O que eu não sabia era o que eu estava procurando. Eu não sabia quem eu era. E por muito tempo isso me causou desespero. Mas o desespero passou e só restou o cansaço. Eu ria sozinho no meu jk alugado e cheio de fantasmas. Mas era um riso amargo. Eu fumava um cachimbo que me ardia na garganta e bebia mais. Estava esperando. Só não sabia o quê.

2 comentários:

Anônimo disse...

rápido você ao colocar meu link no blog!!

eu discordo e concordo em vários pontos.

não sou adepta à loucura e à perdição. não mais. até porque, tratando-se de fases, a minha já passou.

depressões são boas de se sentir. esporadicamente. viver em uma solidão imensa não te faz querer sentir outras coisas.

não costumo perguntar quem eu sou. questiono sobre com quem posso conversar à respeito (partindo do pressuposto de que deus doesnt exist.)

e ryan.independente das circunstâncias, tu escreve muito bem.

=)

Ryan Mainardi disse...

Há! Eu leio, né.

Bom, quanto à concordâncias e discordâncias, as minhas fases vêm e vão várias vezes por dia. Não sou necessariamente depressivo, porém, um solitário por natureza. Quanto à conversar, sempre há pouquíssimas pessoas que irão ouvir/compreender (e eu sempre parto do pressuposto de que Deus existe, mas não irá responder minhas perguntas, e sim dar-me a oportunidade de respondê-las).

Há! Um elogio de quem eu acredito que escreva muito bem sempre é bom pro ego.

=D