sábado, 22 de agosto de 2009

Inevitabilidade

Creio que somos uma inevitabilidade, eu e ela. I-ne-vi-ta-bi-li-da-de. Uma hora ou outra, vamos nos encontrar pelo meio desses nossos caminhos inventados. Encontrar-nos, eu digo, no sentido mais filosófico da coisa – como sempre foi conosco. Palavras distantes, olhos azuis, gatilhos imaginários. E uma infinidade de coisas sem explicação que não fariam e nunca farão sentido para qualquer pessoa outra. É como um mundo paralelo, só nosso, que já esteve à beira do apocalipse muitas vezes. Mas de catarse em catarse, eu percebi que somos meio interdependentes. À nossa maneira – como sempre, tão estranha. As distâncias, os conflitos, tudo o que aparentemente nos afasta um do outro, forma uma espécie de equilíbrio perfeito. Num conceito quase divino de perfeição – tão próprio para nós, que sempre fomos semi-deuses.

Entenda, é complicado tentar descrever, ou mesmo compreender essa nossa relação. É como entrar em um labirinto sem fim. Cada caminho nos leva a um lugar diferente, e os caminhos são infinitos – embora todos acabem em becos sem saída. O que eu tento fazer aqui é um exercício de auto-conhecimento, de conhecimento dela – nós, que sempre fomos tão difusos, que perdemos os contornos fixos quando estamos um perto do outro. Ela, sempre minha inspiração, meu ideal de divindade neste mundo podre, meu duplo, sol, eu que sempre estive perdido na escuridão por vontade própria.

Acho que isso que vivemos agora é apenas mais uma fase, mais um processo, mais um caminho no labirinto. Repito: nós somos uma inevitabilidade. Quer gostemos disso ou não. Nossas almas estão ligadas a nível inconsciente, e esse ligação não será quebrada por nossa vontade ou capricho. I-ne-vi-ta-bi-li-da-de. Nós, que sempre nos orgulhamos de sermos donos dos nossos destinos, aqui nos tornamos escravos dos mesmos. Eu, particularmente, não acho tão ruim. Eu não tenho nada a perder. Mas para ela é uma escolha. Talvez, uma escolha sem escolha.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Dia de Chuva

Visitei as ruínas do antigo colégio hoje. O que restou da minha infância, da minha adolescência. O dia combinava perfeitamente com a melancolia exigida para tal ato. Dia cinza, nublado, chuvoso. Eu ia indo pelo meio da chuva, sem guarda-chuva nem capa, apenas uma camisa de flanela tentando me proteger da água gelada que caía do céu. Ato masoquista, muitos diriam, mas eu continuava indo, não me importava, queria aquela dor pra mim. Eu necessitava das lembranças, e sabia que a dor invariavelmente viria junto. A dor da perda. Da perda daquele tempo, daquelas emoções, daquela pessoa que eu fui um dia. A perda de tudo me doía no meio da chuva, e eu ainda nem havia chegado.

Ao lado do velho colégio havia uma catedral. Neste sábado chuvoso e frio de inverno, suas sólidas portas de madeira nobre – importadas da Alemanha – encontravam-se cerradas. Eu olhava fixo para as portas cerradas, parado no meio da chuva. Era como se minha vida fosse uma eterna chuva, e todas as portas estivessem cerradas. Todas elas feitas de madeira nobre, escura e muito dura, e minhas mãos ensangüentadas, ossos quebrados de tanto bater em vão.

Adentrei no colégio. Não era mais o mesmo. Aquelas placas de acrílico, aquela pintura nova em cores berrantes, aquelas grades. Nada daquilo fazia parte do colégio da minha infância. Nada daquilo era meu. Eu era um estranho ali, e sentia aquele lugar me expulsando. Um “vá embora” sussurrado pelo vento nos corredores gelados, antes tão familiares, agora tão estranhos. Andei andei andei, andei centenas de quilômetros, andei até o infinito, e não reconheci nada. O meu colégio não existia mais; aquele que ali estava era outro. O choque da realidade deixou-me zonzo. Não sabia o que pensar. Não sabia o que sentir. Fui embora.

De volta à chuva fria, portas cerradas, sangue, ossos, desespero, desamparo. De volta ao nada, ao vazio, à minha vida. E agora com a certeza excruciante de que um dia a minha memória irá se apagar, e os lugares e pessoas que hoje apenas ali existem, enfim morrerão. E eu morrerei com eles.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

dia frio.

Busco combater a minha solidão metropolitana em cafés. Observo as outras pessoas conversando e intimamente desejo ser uma delas. Mas estou sozinho.

Hoje cortaram a minha luz. Esqueci completamente da luz quando fiz a mudança. Eu nunca fui muito bom com estas questões práticas da vida. Sempre alienado – é o que me dizem.

É final de julho e o inverno parece ter atingido o seu máximo esplendor. O frio enregelante castiga a boca e os olhos. O clima paranóico de medo da gripe suína paira no ar. A vida segue.

Pessoas entram e saem do café. Ninguém presta atenção em mim. Mas eu continuo aqui, ansiando desesperado por qualquer contato humano, qualquer um que se compadeça de mim e sente ao meu lado para ouvir minhas histórias. Ou para me contar histórias, eu sempre gostei tanto de ouvi-las – quanto mais fantástica melhor.

Permaneço sozinho no café, esperando um olhar, um sorriso, um abraço – mesmo com a gripe suína. Mas ninguém ouve o meu grito silencioso; ninguém presta atenção no meu desespero.

Considerações de Vila Tamanduá

A chama da vela dança. Chove torrencialmente lá fora. A noite não é tão fria quanto deveria ser nesta época do ano. O espelho me encara na penumbra. Fica difícil escrever. A luz bruxuleante da vela projeta a sombra da minha mão sobre as palavras. Eu lembro de livros e filmes. Lembro de amores. De desamores. Tenho pena de mim mesmo na escuridão. E chove lá fora.

Aqui sempre foi um local muito propício para escrever. O isolamento, a alienação. É como se este lugar me permitisse olhar para a minha vida de fora pra dentro; olhar para mim mesmo de fora pra dentro. Há certas conclusões às quais eu só consigo chegar quando estou aqui, longe do mundo, longe de tudo, longe de todos, longe da minha vida, longe de mim mesmo... E muito mais perto da minha verdadeira literatura.

Um post caótico sobre cupins e sentimentos confusos

Angústia. Não; angústia não. Agonia. Tenho por mim que agonia é a melhor descrição para este tipo de sentimento. Agonia. É algo que impede a vida de seguir o seu curso; é algo que me impede de seguir o meu próprio curso. Agonia. Pura como a loucura.

Sou apenas um homem entediado com minha vida comum. Apenas mais uma vítima da agonia. Apenas mais um. Mas ao contrário de menininhas bulímicas, eu escrevo, vomito no papel. Mas a agonia é a mesma, eu garanto. Aquela mesma esperança vazia de ter tanta coisa bonita pra viver, mesmo tendo a certeza de que isso nunca acontecerá.

O que me restou foram os meus livros; o meu vômito. São tantas culpas de coisas não vividas, de covardias e medos. Tantas angústias e agonias por não conseguir ser quem eu quero ser; e eu quero tanto, preciso desesperadamente deste eu que não vem, que não desenvolve, que não desabrocha. Tento mil e uma artimanhas para enganar a mim mesmo, fingir ser o grande homem que não sou, esquecer esta mediocridade eterna em que estou imerso. Quase sempre funciona. O problema é quando o quase não dá certo, quando não é o suficiente. Dar-se conta da sua própria mediocridade é o pior dos abismos, a pior das torturas – Salieri que o diga (que Hades o tenha).

Pra mim a mediocridade é como cupim. Passei anos envernizando a minha linda superfície amadeirada, formada através dos melhores livros & filmes, com um toque de sândalo para completar. Enquanto isso o meu interior foi ficando cada vez mais carcomido, oco, inutilizado. Infestado de cupins. Até dei nome para alguns – os mais familiares. Há a Tristeza; a Melancolia; a Depressão; o Suicídio; o Caos; a Desesperança; a Ilusão. A Esperança; o Carinho; a Amizade; o Amor. Todos cupins de estimação – alguns gordos e roliços; outros decrépitos e semi-mortos. Mas acho que o principal cupim dentro de mim é a Soberba. A Soberba e a Indiferença são rainhas absolutas dentro do meu interior podre e carcomido. Não há dúvidas. É inegável. Uma hora o verniz vai cair, a pintura vai descascar, e o cupinzeiro inteiro vai ruir, com seus cupins correndo desesperados pelo chão, sendo esmagados um a um por transeuntes indiferentes, até não restar nenhum.