segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bula

Eu sou proibido

para menores

de 18 livros.

Contra-indicado

para pessoas

com nível de abstração

inferior ao nitzscheano.

Causo efeitos colaterais

como corações partidos

& dores de cabeça,

além dos clássicos

náusea, vômito e diarréia.

Eu sou venenoso,

e até mesmo fatal

se ingerido em altas doses.

Causo alucinações

e sou contra-indicado

para quem tem síndrome de pânico

& epiléticos em geral.

Eu vicio.

Eu mato.

Eu sou a morte

em vida.

Eu sou a morte

por escolha própria.

Eu sou o suicídio

involuntário.

Eu não sou nada.

Amém.

Pseudo-tentativa de auto-análise de merda

E eu consegui estragar tudo pela milésima vez. É um talento natural. Como o futebol do Ronaldinho Gaúcho antes dele se perder como todos nós. O Ronaldinho tem talento pra driblar, eu tenho talento pra foder com a vida. Daí eu ponho uma música lenta e tento uma reflexão, mas na verdade eu já desisti de tentar me analisar. Chove lá fora e isso não é nenhum clichê literário: chove compulsivamente há semanas, meus três pares de tênis estão molhados e meu sobretudo parece que caiu na piscina. Eu sei que comprar uma caneta do R$60,00 não vai me fazer escrever melhor, mas vale a tentativa. Os vinhos, a vodka, os cigarros: tentativas. Tentativas de encontrar uma arte que me ultrapassa. Arte. Esta arte é mera desculpa corriqueira que eu dou enquanto continuo fodendo com a minha vida e com a vida de todos que se aproximam de mim. Principalmente as mulheres. Tento viver demais em pouco tempo, tento suprir tudo que me falta, mas eu nem sei mais de que eu sinto falta. Acho que eu nunca soube. Uma busca às cegas. Fadado ao fracasso, fadado à morte, fadado à qualquer outra merda que não esta em que vivo. Enquanto como alternadamente, divididas pelos dias da semana, aquelas duas meninas que me amam, eu fico me perguntando qual delas eu desprezo mais. Tenho nojo de mim mesmo, mas não consigo ser diferente. Como diz meu amigo Juliano, estou “estragado” por dentro. Tudo pela ação criadora. Boas leituras & más vivências. Esperando que dê frutos, esperando que dê resultados, esperando sucesso/reconhecimento/dinheiro e algumas piranhinhas a fim de dar a noite toda. No fundo, é tudo enrolação. O que eu quero mesmo é uma boceta pra foder. Mas não por muito tempo. Acho que depois que você goza uma certa quantidade, digamos uns dois ou três litros de porra dentro da mesma boceta, ela torna-se repugnante. É por isso que o rodízio de bocetas é tão importante. Porque chega uma hora em que a náusea supera o tesão, e ao invés de gozar eu vomito. O efeito é quase o mesmo, mas as bocetas – quer dizer, as mulheres – não gostam muito. Minha cara sempre fica dormente com tanta vodka. Tenho dificuldade em segurar a caneta, preciso desenhar as letras enquanto Billie Holiday me atormenta nesta semi-penumbra. Não adianta: enquanto eu não morrer – de novo – eu não vou conseguir escrever.

Eternidade

Lágrimas caem na taça de vinho tinto azedo. Pilhas de livros entre este vazio absoluto e esta solidão vazia. O apartamento vazio, o coração vazio. Sempre. Sempre. Sempre. Toneladas de culpas me pesam nas costas e me fazem arcar-me e ver o chão sujo de onde venho e de onde nunca sairei.


"Vem dizer adeus ao que restou de quem um dia foi feliz."

?

Quem sou eu, além de um solitário, rancoroso e fodido?

Eu

Eu tenho 20 anos,
sou leonino
e leio Bukowski:
eu tenho a libido
de um padre católico.

Unhas

Tenho manchas brancas sobre as unhas. Quando eu era criança meus avós diziam que isto era sorte. Quando eu era adolescente meus professores diziam que era falta de cálcio. Pra mim esta dúvida permanece até hoje: as manchas significarão sorte ou falta de cálcio? Prefiro acreditar que é sorte, mas acho que é falta de cálcio mesmo.

Vida desvairada

Eu estou um pouco rouco
e um pouco louco
culpa dessa vida
desvairada
alugada
mutilada
destilada
eu estou febril
minha vida por um fio
estou vivendo
na beira do abismo
rindo do perigo
e chorando por meus amigos
que aqui não estão
que já se foram
e não voltaram
estou desvairado
desavisado
e sou atropelado
a cada dia
por milhares de pessoas
furiosas
em fuga
de suas próprias vidas
e eu fujo também
mas não adianta
o céu sempre vai ser cinza
e a chuva sempre vai me alcançar
não importa o deserto
em que eu me meta
a chuva sempre vai me alcançar
eu estou um pouco rouco
e um pouco louco.

O Dragão

É um dragão. Sim, sem dúvidas, é um dragão. Nesta casa que cheira a porra, cigarros e vodka. O dragão não me olha mais nos olhos. Ele gostava do tempo em que aqui havia apenas o cheiro de incenso e café, do tempo em que eu andava com um sorriso nos lábios. Agora eu ando sério, entorpecido, e o dragão tem raiva de mim. Não o culpo. Ele provavelmente tem razão. Meus olhos ardem e meu estômago se retorce. Eu sempre disse que não havia escolhido uma vida feliz. Ninguém acreditou. Nem ele acreditou. Pois aqui está. Acho que no fundo ele sempre soube, mas ainda tinha esperança. Eu nunca tentei me enganar. Quando o dragão finalmente perdeu as esperanças, ele soprou chamas e a casa ardeu, os cigarros arderam, a vodka ardeu, os livros arderam, o blues ardeu e eu ardi com eles. Perdido em meio às chamas, eu ardi. Dor e liberdade. Sempre juntas. Eu não me conformei até que só restassem cinzas.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Eterno Retorno

“CÍRCULOS!
Dentre as formas geométricas, é aquela que contém mais significados filosóficos.”

Uma cigarrilha e um grande copo de vodka. Pura. É incrível como depois de tantos anos de vícios eu ainda continuo um fraco. Uma cigarrilha e um grande copo de vodka. Pura. É tudo o que basta para me deixar tonto a ponto de não conseguir manter-me em pé. Já perguntei milhares de vezes de que me serve tudo isso. Continuo sem resposta. Continuo achando que é uma espécie de fuga que não me serve pra merda nenhuma. O frio do inverno. O calor das mulheres que freqüentam a minha cama. Das mulheres que me amam e que eu não posso/consigo amar de volta. É deprimente. Então passo dias deitado embaixo dos edredons tentando acordar desse pesadelo sem fim, tentado morrer. Eu nunca pedi pra ser eu mesmo. Foi uma escolha sem escolha.

“Cheguei onde saberia que chegaria. Podia ter demorado um pouco mais.
Num bar.
Com um vinho barato, um cigarro no cinzeiro e uma cara embriagada no espelho do banheiro.
Sempre será a mesma coisa, mesmo que nunca mais seja igual, e mesmo que ninguém acredite.”

Não há fuga. Nunca houve. Uma ilusão que não era bonita nem maravilhosa nem nada. Que era apenas outra coisa diferente desta. Outra coisa onde havia, talvez, esperança. Uma esperança verde e fresca. Mas agora, aqui, um trator cimentou, concretou, passou um asfalto cinza e um rolo compressor em cima dessa esperança. Agora eu voltei a ser quem eu sempre fui, e de mim não há fuga. Eu que não sei amar. Eu que não sei viver. Eu, que até o desespero abandonou. Do que vale uma vida sem um passarinho azul no coração?


O gosto da francesa

Uma francesa. Sim. Era, sem dúvidas, uma francesa típica. Poderia se chamar Justine, Marie-Anne, Claude, algum destes nomes tipicamente franceses, mas a verdade é que o nome não importa: ela era uma francesa e isso me bastava. Acho que nem sequer perguntei seu nome. Sabia que não haveria futuro para nós. Assim como sabia que estávamos ambos lá: eu e a francesa. Uma francesa perdida neste hemisfério sul, com seu jeito tipicamente francês, que lhe caía tão bem com o inverno destas paragens ao fundo. Estávamos sentados em uma cafeteria. Com certeza não era uma cafeteria francesa, mas esforçava-se para sê-lo, e nos agradava este esforço. Havia o barulho chiado e grave das cafeteiras, o cheiro de café no ar e até uma grande foto em preto e branco da Torre Eiffel na parede ao nosso lado. A paisagem que víamos do lado de fora não era a de Paris, embora houvessem pessoas fugindo apressadas do frio, escondendo-se dentro de seus sobretudos, como num ritual, como numa dança. O café era bom. Mas não era francês. Mas era encorpado, cremoso e bem quente. “O café deve ser tomado sem açúcar”, me ensinava ela, “para que possamos sentir o seu real sabor”. Eu tomava o café sem açúcar, mas não sentia sabor nenhum. Todos os meus sentidos estavam concentrados em absorver cada milímetro daquela francesa. Ela tomou um gole de café e fez uma imperceptível expressão de desgosto. É impressionante como quase todas as expressões dos franceses são quase imperceptíveis. Sempre tão blasés. Não existem verdadeiros blasés que não sejam franceses. Ser blasé é prerrogativa deles, desde o nascimento. Quanto aos outros, tentam mal e porcamente disfarçar seus sentimentos e desgraças atrás de um cinismo meio manco e de um ceticismo meio velho, que nunca chegarão aos pés do verdadeiro blasé francês. Então ela tomou aquele gole de café e desgostou-se, talvez o café não fosse tão bom como os que ela estava acostumada a tomar na França, ou talvez uma lembrança mais amarga que o próprio café sem açúcar a assolara em um golpe seco. Tenho consciência de que nunca saberei a real razão de seu desgosto, que durara apenas uma fração de segundo, ela, sempre tão francesa, sempre tão blasé, parecia uma estátua de mármore entediada, que desgostara-se por ter sido trazida da França para cá, mas que, justamente por ser francesa, jamais demonstraria o seu desgosto.

Olho pra ela, com aquela boina meio caída de lado, como só as francesas sabem usar, e com aquele xale, não sei se é realmente um xale, mas parece, e ela fica imóvel contra a paisagem fria do lado de fora da janela, com aquela boina de lado, aquela xale francês, fumando cigarros pretos em sua piteira, apreciando o gosto da sua eternidade particular, tão tipicamente francesa.

Beija-me. Não há como descrever o beijo de uma francesa. É o mais intenso e o mais frio dos beijos. Ao mesmo tempo. Ela tira suas roupas como se estivesse em um palco e toda uma platéia aguardasse tensa cada movimento. Eu aguardo tenso cada movimento. Pára contra a luz de mercúrio que entra por uma fresta na cortina, seminua, fumando, como em um quadro, tempo parado, frio esquecido. Por fim, tira o que lhe resta de roupas e refestela-se em minha cama. Refestela-se em meu corpo. Assim como me refestelo no dela. Jamais conseguirei descrever o que se sente ao fazer amor com uma francesa. É o sexo mais intenso, mais quente, mais cheio de desejo, porém ela é fria, trata-o com desprezo, olha-o entediada, ela o ama e o menospreza, sempre com o mesmo prazer, e sempre proporcionando o mesmo prazer. Uma francesa controla o prazer como um jogador profissional de poker controla as cartas em sua manga. É bom deixar claro que a francesa se encarregou de derrubar velhos mitos para mim, afinal ela era muito bem lavada e muito bem depilada. Entretanto ela mitificou outras sensações em mim, a perversa ninfomaníaca devoradora, íntima do prazer, que nos torna tão felizes em momentos únicos e com olhares de gelo nos devolve a nossa condição miserável e nos faz agoniar-mo-nos de dor e angústia em meio ao prazer desenfreado.

Mas eu ainda não cheguei ao ponto alto desta narrativa: o gosto da francesa. Quando mergulhei minha cabeça entre suas pernas, no exato momento em que minha língua abriu sua vulva lambuzada e adentrou no fundo daquela vagina quente e úmida, eu percebi o que ela possuía de diferente de todas as outras mulheres do mundo: o gosto da francesa. É impossível explicar em palavras o gosto da francesa, o mais doce e o mais acre dos gostos, a mais alucinógena de todas as drogas verteu daquela boceta quente tipicamente francesa. O gosto da francesa.

Agora ela deve estar apreciando um café tipicamente francês em Paris, talvez sem aquela expressão de desgosto. Deve haver, sentado com ela, algum francês blasé que também fuma cigarros pretos e que pára contra a luz sabendo que está sendo admirado em sua infinita beleza. Só os franceses fazem isso com maestria.

Eu fiquei aqui. Lembrando-me da francesa e vivendo um frio sem glamour. Mas toda vez que, meio entediado, meio morto, eu mexo no meu pau mole e degenerado, eu me lembro do gosto da francesa, e me sinto vivo novamente.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Monólogo

Estou gripado. Uma meleca grudenta e amarela escorre pelo meu nariz e entope meus pulmões. Lá fora o dia, ou melhor, a semana está fria e chuvosa. Aqui dentro eu tomo goles de chá preto e de vodka, alternadamente, mas nenhum dos dois consegue me aquecer. Não tenho mais uma boceta a disposição para aquecer-me, tampouco paciência para aturar a mulher que indubitavelmente viria junto com a boceta. O jeito é abrir um vídeo pornô qualquer na internet e bater uma boa punheta. Na verdade, uma péssima punheta, minhas punhetas nunca foram boas. O fato é que é um mal necessário. Tomo alguns goles de xarope expectorante que tem gosto de sola de sapato, quer dizer, na verdade eu nunca lambi uma sola de sapato pra saber, eu nem uso sapato, mas o xarope é ruim pacas. Tento ler alguma coisa, tento escrever alguma coisa, deito embaixo das cobertas e fico mexendo no meu pau mole. De qualquer forma, eu sempre fui um inútil mesmo. A falta de acontecimentos me deprime, mas aos 20 anos eu já estou muito velho e ranzinza e sem nenhuma paciência para acontecimentos. É nessa hora que o cara deita e espera a morte. Já com uns seis ou sete livros escritos que não serão publicados, se aconchega embaixo das cobertas e morre sonhando com o reconhecimento no século seguinte. Na verdade, não se sabe. Mas eu também não tenho paciência pra ficar esperando a morte. A morte deve ser fria, e aqui já tá um frio do caralho apesar do blusão de lã e dos três edredons. Meu nariz começa a correr de novo, maldita gripe. Vírus filhos-da-puta que tanto me adoram. Aliás, eu acho que todos os que me adoram não passam de um bando de filhos-da-puta hipócritas. É impossível me adorar. Por mais compreensivo e falso que se seja, eu me faço de tal forma detestável na presença de outras pessoas, que a única opção que lhes resta é me mandar tomar no cu. Eu nunca gostei de pessoas mesmo. A noite cai, o frio aperta e a paciência acaba. Eu nunca gostei de monólogos mesmo.

sábado, 16 de agosto de 2008

Que saco!

Eu não vou entrar na clássica discussão a la Clarah Averbuck. Só vou dizer uma coisa, uma coisa simples e ridícula que as pessoas não conseguem entender. Ficção é uma coisa, realidade é outra. A vida e a arte não são a mesma coisa. Nenhum autor escreve sobre a sua vida, autores escrevem sobre as suas percepções de mundo e, às vezes, usam algumas cenas - inspirações - para representar algo que necessita deste embasamento. Ou seja: não venha me encher o saco, porque eu não escrevi sobre você ou sobre qualquer coisa que tu achas que eu escrevi. Eu escrevi o que tinha que ser escrito. A arte, e não a vida.

Cotidiano

Acordo e vou dar uma volta. Meu braço ainda dói das mordidas que aquela piranha me deu. Quando ela me disse que gostava de morder, eu disse “vai fundo, pode morder”, e ela me mordeu com tanta força que eu trinquei os dentes pra não gritar, e a nossa transa foi toda assim, com ela tendo os dentes cravados na minha carne e eu trincando os dentes pra não gritar. Então eu saio com o braço dolorido, a roupa amassada, não mais amassada que a cara, e o cabelo despenteado. Não escovo os dentes, não lavo o rosto, não tomo banho há vários dias, os mesmos dias em que permaneço com esta mesma roupa, dia e noite. Não tenho cobertas, então durmo com meu sobretudo nas noites frias, e mesmo assim passo frio e acordo no dia seguinte meio gripado. Esta pensão onde moro não ajuda muito. Suas paredes, que deveriam ser de madeira, parecem de papelão. O lugar todo é mofado e embolorado, e a velha dona da pensão, uma gorda mal-encarada, entra a hora que bem entende no meu quarto, e geralmente escolhe as horas mais impróprias, quando estou batendo uma punheta ou comendo alguma putinha que dá de graça. Meu colchão fede a porra seca e eu gosto disso. O cheiro de porra se mistura ao cheiro de mofo e cria este ambiente agradável que é o meu quarto. Para mantê-lo eu nunca abro as janelas, nem durante o dia nem durante a noite, sempre janelas fechadas e sempre a mesma roupa de cama. Eu sempre durmo o dia todo e saio à noite pra beber, mas esta noite estava fria e eu fiquei em casa. Não consegui dormir, então saí pela manhã. Passei numa universidade aqui perto da pensão, pedi um café. É impressionante o contraste. Os universitários, com suas carinhas bem barbeadas, banho tomado, cabelo penteadinho para o lado, roupinhas bem lavadas e bem passadas. E do outro lado, eu. Eles se assustam à minha visão. Pareço um mendigo sujo enfiado em um sobretudo velho. Na verdade, sou quase isso. Sento em um banco da universidade tomando o café muito fraco e muito doce, esses filhos-da-puta engomadinhos não agüentariam um café de verdade. São o tipo de gente que quando crianças a avó colocava açúcar no copo de cerveja e dava para eles tomarem. Garanto que ainda preferem cerveja com açúcar. Filhos-da-puta. O açúcar aumenta o teor alcoólico, vai ver foi isso que fodeu com o cérebro deles quando crianças, daí cresceram esses retardados. Engulo o resto do café muito ruim e meio frio, enquanto cai uma chuva nada poética mas muito fria, e eu penso nas minhas desgraças. Sempre gostei muito do ar decadente, mas ele não é tão glamouroso quanto parece. É divertido às vezes, mas no fim tudo acaba numa merda. Divirto-me com essas putas que vêm me visitar e não conseguem esconder o nojo que têm desse chiqueiro onde eu vivo, mas ainda assim trepam comigo. Mas quando elas vão embora só fica o cheiro de porra e o vazio. É como se a minha alma saísse junto com os jatos de esperma, e só ficasse um grande pedaço de carne mole e exausto e fedendo a sexo. Caminho pela chuva fria pensando que já devo estar meio doente. Eu sempre passo os invernos inteiros meio doente. Apalpo meu braço e sinto que ainda me doem as mordidas daquela piranha. Hoje cedo eu tirei as roupas e olhei para o meu braço nu, com marcas de dentes. Algumas marcas estavam pretas, mórbidas. Outras tinham um agradável tom arroxeado. E ao redor delas a pele começava a adquirir tons amarelados e esverdeados, tons de decomposição. Não dei bola, mas dei um bom gole na garrafa de vodka, coloquei as mesmas roupas e saí. A velha mal-encarada ficou me cuidando. Ela sempre faz isso. Quando ela entra no meu quarto e eu estou comendo alguma piranha, ela olha com cara de nojo e raiva, e bate a porta. Mas quando ela entra e eu estou batendo punheta, ela sempre dá um sorriso de satisfação, e se demora olhando para o meu pau molhado e reluzente, às vezes com um fio de baba correndo do canto da boca, e encosta a porta bem devagar. Cristã devota, a velha. Um dia ainda enrabo ela. Se ela der desconto na mensalidade deste muquifo. Não adianta. Meus desejos vontades necessidades sempre foram o mais importante, o resto é o resto. Eu já tentei ser diferente. Já tentei ser daquelas pessoas que tomam banho todo dia, fazem a barba e querem se mostrar apresentáveis aos outros. Tentei. Mas não durou muito. Tentei até mesmo namorar. Mas eu não tenho o dom pra relacionamentos. Mas eu sempre continuava, e naquela época eu ainda tentava fazer o menor mal possível a quem estava comigo. Bobagem, eu sei. Nunca funcionava, o mal era sempre grande demais para elas. Hoje eu só como putas. Facilita muito a minha vida. Eu pago e elas vão embora. Ou eu não pago, elas gritam, xingam, cospem na minha cara e vão embora. Uma vez teve uma que chutou o meu saco. Mas valeu a pena, foi a melhor foda de todas. O único inconveniente são esses cafetões filhos-da-puta – literalmente – que querem me pegar. Mas se eles têm putas de sobra, lhes falta cérebro. A manhã está fria. Volto pra casa – pr’aquele muquifo que eu chamo de casa – e bato uma punheta enrolado na roupa de cama mofada e fedendo a porra. Durmo afogado no meu próprio sêmen. Essa é a minha vida. Eu nunca pedi outra.

Quando saio já está escurecendo. Vejo um vendedor de flores sorridente, os dentes muito brancos contrastando com a pele escura. Ele anda em círculos numa esquina, segurando braçadas de rosas vermelhas. Penso que se comprar flores não terei dinheiro pra comprar comida. Lembro-me com um sorriso de escárnio que em outros tempos, quando eu era um romântico inveterado, não hesitaria em passar fome para comprar um punhado de rosas para uma piranha qualquer. Hoje essa idéia nem me passa pela cabeça. Se bem que eu também não penso em comprar comida. Vou comprar uma vodka ou umas cervejas. Queria comprar ambas, mas o dinheiro não dá. Que merda! Não consigo nem me embebedar direito. Compro uma vodka, mais álcool pelo menor preço. Precisamos ser econômicos em tempos de crise.

Caminhando pela rua eu me lembro de um professor com quem cruzei pela manhã na universidade. Um filho-da-puta qualquer de meia idade, que faz o possível pra tentar esconder a grande barriga cheia de merda e banha e a careca reluzente. É o tipo de filho-da-puta que desconta suas frustrações nos alunos. Eu diria que o problema dele é falta de mulher, mas pensando bem, ele me parece um veado enrustido, daqueles que planejam cuidadosamente o seu desalinho em frente ao espelho e têm ereções ao assistir cenas de nu do Brad Pitt. Acho que o problema dele é falta de homem mesmo. Filho-da-puta mal-comido.

(Foi interessante eu ter escrito “veado”. Tem um amigo meu que diz que quem escreve “veado” é veado. Ele diz que homem que é homem escreve “viado”. Ele é um veado.)

Passo por uma puta que me faz um olhar convidativo, mas eu não tenho dinheiro. Ela me lembra uma outra puta que eu comia e que gostava de apanhar, e que fazia cara de nojo quando eu dizia “eu te amo”. “Me come”, era a única coisa que ela dizia entre gemidos furiosos. Na mesma época eu comia outra puta que gostava de trepar menstruada. Ainda me lembro das minhas cuecas brancas manchadas com o sangue vermelho-escuro, provavelmente aidético. Nunca mais consegui esquecer o cheiro forte do gozo dela misturado com sangue. Mas nenhuma delas foi pior do que a puta apaixonada, que me fazia declarações de amor antes, durante e depois do sexo. Não há nada mais broxante do que uma mulher apaixonada por você. Às vezes ainda tenho pesadelos com ela. No meu pesadelo eu estou comendo ela de quatro, quando ela dá uma olhadela pra trás e diz: “Eu te amo.” Eu broxo na hora, e acordo suado e gritando. Pânico é o que sinto. Sempre que ela dizia “Eu te amo”, eu lhe dizia “Eu também te amo, mas nós não vamos ficar juntos”. Mas a minha preferida era aquela puta que, quando a foda era ruim, me dizia “Cai fora daqui, seu bosta!”, e quando a foda era boa, me dizia “Eu te amo!”, e subia em mim e gozava rios em cima da minha barriga. A gosma de cheiro forte escorria pelos dois lados da minha barriga e encharcava lençóis e colchão. Aquilo é que era puta de verdade. E tinha também aquela que eu sempre comia de quatro, e que quando eu gozava dentro dela, virava-se pra mim e dava-me um sorriso radiante como o sol de verão. Mas a minha vida sempre foi um rigoroso inverno. Eu fico imaginando, se fosse possível juntar cada uma dessas mulheres únicas e maravilhosas, se fosse possível juntar todas elas em uma única e esplendorosa puta. Seria uma super-puta, a Rainha das Putas, e eu a comeria noite e dia e morreria gozando no fundo da sua vagina larga e experiente. Eu acho que só conheci esse tipo de sexo, decadente, com cheiro de álcool e cigarros, com cheiro de gozo de puta, puta que já fez outros programas na noite, sexo em lugares escuros com poeira acumulada sobre móveis velhos. Nunca uma cama confortável, com lençóis macios e um blues ao fundo. Sempre este sexo imundo com a escória da humanidade, trepando encostado em pias com louça suja acumulada há semanas, com vermes nascidos ali mesmo circulando ao meu redor enquanto fodo.

Eu durmo e sonho com o velho Bukowski, sentado em um bar qualquer no inferno, tomando cerveja com o capeta e dizendo algo com “you know, fuck it’s something spiritual”, e acordo com vontade de foder e vomitar. Ao mesmo tempo. Já fiz isso algumas vezes. Já vomitei em cima de putas enquanto fodia. Foi como um gozo. O gozo mais real e mais válido que aquelas vagabundas já receberam na vida.

Me disseram que eu ando muito amargo ultimamente. Eu disse: “Vai tomar no cu!’ Tudo uma coisa muito espiritual.

O problema com as mulheres de hoje em dia é que elas não entendem que às vezes você está muito cansado pra uma trepada. Às vezes tudo o que você quer é uma boa chupada, com elas engolindo até a última gota de porra. Isso é que é prova de amor. Por isso eu prefiro as putas. Você paga, elas chupam. E se você pagar bem, elas engolem tudinho, não deixam derramar uma gota. Por isso eu amo as putas. E elas me amam. Ou pelo menos amam o meu dinheiro, ou o dinheiro que acham que eu tenho. No fundo todas elas sabem que eu sou um fodido, mas trepam comigo mesmo assim, porque elas sabem que os fodidos trepam melhor.

Sinto a cerveja fermentando em minhas tripas e esses cigarros em demasia já estão me fazendo mal. Já não consigo respirar sem esforço. Eu penso “Foda-se!”, e tenho vontade de comprar mais uma cerveja e mais um maço de cigarros, mas meu dinheiro acabou. Passo por um mendigo deitado na calçada, enrolado com um vira-lata sarnento em um cobertor de lã puído. Ele tem uma garrafa de cachaça vagabunda apertada contra o peito e um cigarro pendendo do canto da boca. Tenho vontade de espancá-lo, matar seu cachorro, queimar seu cobertor e roubar a sua cachaça e o seu cigarro. Mas eu ainda sou muito fraco ou covarde ou humano pra isso. Um homem de verdade o faria. Eu baixo a cabeça e continuo caminhando pela noite fria, sem bebida e sem cigarros. Entro em um bar qualquer e sento no balcão. Com sorte vou encontrar algum babaca pra me pagar uma cerveja. Garrafas voam pelo recinto e bêbados trocam socos por sobre as mesas. Comento alguma coisa do tipo ah-que-beleza-o-espetáculo-da-decadência-humana com uma camarada semi-adormecido sentado ao meu lado. Ele vomita na minha calça. Dou-lhe um soco nas fuças e ele cai, mais de bêbado do que pelo soco. Vou embora do bar.

Caminho pelas ruas já desertas na madrugada. Lembro-me de quando ainda namorava uma dessas menininhas ingênuas que acreditam no amor. Lembro que quando encontrávamos alguma amiga minha na rua e parávamos para conversar e ela sentia aquela afinidade entre eu e A Outra e ela sabia que A Outra era mais inteligente e mais culta e melhor de cama e que eu a trairia com A Outra na primeira oportunidade que tivesse e isso lhe doía até o desespero. Ela se suicidou. E eu não fui no enterro porque estava comendo A Outra e, convenhamos, que tipo de babaca larga uma boa foda pra ir num enterro? De qualquer forma, sempre me soou falso quando eu dizia “Eu te amo pra sempre.”

Sexo é uma coisa banal. Não há nada de sagrado no sexo. Sexo é um animal fodendo o outro. E nunca passamos mesmo disso: animais. A única diferença é que nós temos rituais mais elaborados para conseguir o sexo. Chego em casa já de manhã. Olho pela janela e vejo dois pássaros trepando em cima de uma antena de tv. Penso que se nós tivéssemos penas ao invés de pêlos, não seríamos muito diferentes deles. Hoje foi um dia de merda, uma noite de merda, uma madrugada de merda. Deito e durmo pra esquecer. Amanhã tem mais.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Mais do mesmo

Já fiz muita merda nessa vida. A maioria bêbado. Algumas sóbrias, e essas são as piores, pois consigo lembrar-me de cada detalhe das desgraças. Houveram também algumas vezes em que eu nem estava tão bêbado, mas aproveitei a desculpa e rolei na bosta quente e mole. Não sei se ainda acreditam nas minhas bebedeiras. Acho que nem eu acredito mais nelas. Não que isso tenha alguma importância. Sabe, é difícil ser original hoje em dia. Qualquer pseudo-intelectual fodido que leu Dostoiévski, qualquer poeta ou à puta-que-pariu que fica enchendo a cara por aí, se acha grande coisa. Não se bebe mais por vontade pura e simples de esquecer uma piranha qualquer em um copo de vodka, se bebe porque a decadência se tornou glamourosa, e isso me deixa puto. O velho Bukowski deve estar se revirando no túmulo a estas horas. Ser decadente não é achar bonito sofrer, ser decadente é não gostar da vida. Eu sei que parece muito fácil dito assim: não gostar da vida. Mas acredite, não gostar da vida, não gostar de verdade, com uma náusea permanente que não é das constantes ressacas, que é puramente do fato de estar vivo e não gostar nada disso, que é puramente do fato de ter que acordar todo dia e conviver com outras pessoas e achar tudo isso uma merda, essa náusea seca que não é do estômago e sim do espírito, esse não gostar da vida que é a prerrogativa básica da verdadeira decadência. Todos esses poetinhas adolescentes, que se acham decadentes sem nunca sequer ter provado o gosto de uma boceta, é que me irritam. Uma noção básica: mulher se usa. Usa-se para o sexo e para escrever. Não há nada de romântico em uma musa. É só uma mulher que tu usa pra escrever. Depois de te servir como musa, ela geralmente te serve na cama, depois tu descartas. Romance é coisa de adolescente, coisa de quem não conhece a vida. A vida é agressiva. Se tu não fores forte, tu não sobrevives. Se tu fores forte, tu apenas sobrevives. E sobreviver é isso: uma garrafa pra beber, uma mulher pra comer e um canto pra não fazer merda nenhuma enquanto a vida te devora. O mundo lá fora não tá nem aí pra ti, não tá nem aí pra mim, e quer saber? por que deveria estar? somos só uns bostas. Não importa se somos mais ou menos decadentes do que aqueles pseudo-intelectuais de merda, no fim acaba tudo do mesmo jeito. Não interessam as percepções, não interessa a consciência do mundo e da vida e das coisas e das pessoas: a gente vai se foder de qualquer jeito. Ou tu podes colocar uma gravata, arranjar um emprego de oito horas diárias, mulher, casal de filhos e casa na praia. Mas eu acho muito mais digno se foder com uma puta que dá de graça e uma garrafa de vodka. Não interessa o caminho: no fim a merda é sempre a mesma. Eu sei que tu dizes que eu não falo outra coisa, mas não adianta eu querer falar outra coisa se tu não entendes essa verdade básica: de qualquer jeito, tu vais te foder. Tu vais acabares na merda. Vamos todos. Então vê se pára de me encher o saco e vai lá comprar outra garrafa. Essa já acabou.

A Loura

Acordo. Olho pra ela deitada ao meu lado. Os longos cabelos louros despenteados e espalhados por sobre a sua pele macia e levemente bronzeada. A melhor mulher que eu já peguei. Meu deus, que noite! Levanto. Ainda sinto o cheiro do gozo dela na minha barba. Excita-me. O cheiro. Ela. Sento ao lado da cama e tomo um gole do uísque de ontem. Está aguado. Os gelos derreteram. Não acreditei quando ela me agarrou na festa de ontem. Estava muito bêbada, percebia-se de longe. Qualquer pessoa decente teria levado-a para casa e deixado-a dormir em paz, mas eu, canalha convicto, a trouxe pra cá e a fodi a noite inteira. Depois que ela gozou pela primeira vez, começou a ficar sóbria, e aí o troço rendeu. Meu deus, que mulher! Sentado aqui na minha escrivaninha, decadente como sempre e tomando um copo de uísque aguado, eu olho pra ela e ainda não consigo acreditar que isto tenha realmente acontecido. Levanto e fecho uma fresta da cortina para que a luz não a acorde. Quero conservá-la assim: bêbada, exausta e na escuridão. Por enquanto ela é minha, e estes momentos são a minha pequena eternidade. Meus deleites particulares, observando todas as suas curvas, curvas que noite passada percorri com a língua e com o pau molhado de porra e de saliva dela. Acho que cheguei no meu ápice. Já posso morrer agora. E quando ela acordar... quando ela acordar, direi apenas: não me lembro.