sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O gosto da francesa

Uma francesa. Sim. Era, sem dúvidas, uma francesa típica. Poderia se chamar Justine, Marie-Anne, Claude, algum destes nomes tipicamente franceses, mas a verdade é que o nome não importa: ela era uma francesa e isso me bastava. Acho que nem sequer perguntei seu nome. Sabia que não haveria futuro para nós. Assim como sabia que estávamos ambos lá: eu e a francesa. Uma francesa perdida neste hemisfério sul, com seu jeito tipicamente francês, que lhe caía tão bem com o inverno destas paragens ao fundo. Estávamos sentados em uma cafeteria. Com certeza não era uma cafeteria francesa, mas esforçava-se para sê-lo, e nos agradava este esforço. Havia o barulho chiado e grave das cafeteiras, o cheiro de café no ar e até uma grande foto em preto e branco da Torre Eiffel na parede ao nosso lado. A paisagem que víamos do lado de fora não era a de Paris, embora houvessem pessoas fugindo apressadas do frio, escondendo-se dentro de seus sobretudos, como num ritual, como numa dança. O café era bom. Mas não era francês. Mas era encorpado, cremoso e bem quente. “O café deve ser tomado sem açúcar”, me ensinava ela, “para que possamos sentir o seu real sabor”. Eu tomava o café sem açúcar, mas não sentia sabor nenhum. Todos os meus sentidos estavam concentrados em absorver cada milímetro daquela francesa. Ela tomou um gole de café e fez uma imperceptível expressão de desgosto. É impressionante como quase todas as expressões dos franceses são quase imperceptíveis. Sempre tão blasés. Não existem verdadeiros blasés que não sejam franceses. Ser blasé é prerrogativa deles, desde o nascimento. Quanto aos outros, tentam mal e porcamente disfarçar seus sentimentos e desgraças atrás de um cinismo meio manco e de um ceticismo meio velho, que nunca chegarão aos pés do verdadeiro blasé francês. Então ela tomou aquele gole de café e desgostou-se, talvez o café não fosse tão bom como os que ela estava acostumada a tomar na França, ou talvez uma lembrança mais amarga que o próprio café sem açúcar a assolara em um golpe seco. Tenho consciência de que nunca saberei a real razão de seu desgosto, que durara apenas uma fração de segundo, ela, sempre tão francesa, sempre tão blasé, parecia uma estátua de mármore entediada, que desgostara-se por ter sido trazida da França para cá, mas que, justamente por ser francesa, jamais demonstraria o seu desgosto.

Olho pra ela, com aquela boina meio caída de lado, como só as francesas sabem usar, e com aquele xale, não sei se é realmente um xale, mas parece, e ela fica imóvel contra a paisagem fria do lado de fora da janela, com aquela boina de lado, aquela xale francês, fumando cigarros pretos em sua piteira, apreciando o gosto da sua eternidade particular, tão tipicamente francesa.

Beija-me. Não há como descrever o beijo de uma francesa. É o mais intenso e o mais frio dos beijos. Ao mesmo tempo. Ela tira suas roupas como se estivesse em um palco e toda uma platéia aguardasse tensa cada movimento. Eu aguardo tenso cada movimento. Pára contra a luz de mercúrio que entra por uma fresta na cortina, seminua, fumando, como em um quadro, tempo parado, frio esquecido. Por fim, tira o que lhe resta de roupas e refestela-se em minha cama. Refestela-se em meu corpo. Assim como me refestelo no dela. Jamais conseguirei descrever o que se sente ao fazer amor com uma francesa. É o sexo mais intenso, mais quente, mais cheio de desejo, porém ela é fria, trata-o com desprezo, olha-o entediada, ela o ama e o menospreza, sempre com o mesmo prazer, e sempre proporcionando o mesmo prazer. Uma francesa controla o prazer como um jogador profissional de poker controla as cartas em sua manga. É bom deixar claro que a francesa se encarregou de derrubar velhos mitos para mim, afinal ela era muito bem lavada e muito bem depilada. Entretanto ela mitificou outras sensações em mim, a perversa ninfomaníaca devoradora, íntima do prazer, que nos torna tão felizes em momentos únicos e com olhares de gelo nos devolve a nossa condição miserável e nos faz agoniar-mo-nos de dor e angústia em meio ao prazer desenfreado.

Mas eu ainda não cheguei ao ponto alto desta narrativa: o gosto da francesa. Quando mergulhei minha cabeça entre suas pernas, no exato momento em que minha língua abriu sua vulva lambuzada e adentrou no fundo daquela vagina quente e úmida, eu percebi o que ela possuía de diferente de todas as outras mulheres do mundo: o gosto da francesa. É impossível explicar em palavras o gosto da francesa, o mais doce e o mais acre dos gostos, a mais alucinógena de todas as drogas verteu daquela boceta quente tipicamente francesa. O gosto da francesa.

Agora ela deve estar apreciando um café tipicamente francês em Paris, talvez sem aquela expressão de desgosto. Deve haver, sentado com ela, algum francês blasé que também fuma cigarros pretos e que pára contra a luz sabendo que está sendo admirado em sua infinita beleza. Só os franceses fazem isso com maestria.

Eu fiquei aqui. Lembrando-me da francesa e vivendo um frio sem glamour. Mas toda vez que, meio entediado, meio morto, eu mexo no meu pau mole e degenerado, eu me lembro do gosto da francesa, e me sinto vivo novamente.

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