sexta-feira, 13 de junho de 2008

Monólogo teológico da verdade que é uma merda

Eu sei que a decadência parece ser bonita à distância. Mas tente conviver comigo por uma semana. Você vai ver que não é tão bonita como parece. Com o tempo ela vai perdendo o glamour, até restar apenas aquela coisa amarga e seca, e daí você percebe que foi isso que você se tornou: alguém amargo e seco. A decadência suga você até a última gota, como uma ex-namorada minha fazia quando eu gozava na boca dela. Por isso que eu digo: não vale a pena me amar. Eu sou uma criatura desprezível. A decadência já levou embora tudo o que podia ser amado em mim. Talvez tenha levado até a minha alma... Não, a alma não. A alma fica para sofrer. Vai-se embora o resto. Tudo o que pode ser amado. Mas veja bem, não quero parecer sentimental: tudo isso é apenas mera constatação, fria como mármore no inverno. Mas a alma fica para sofrer. Tudo isso é uma coisa muito agressiva, sabe? A decadência, a alma que sofre, o alcoolismo que devora. Tudo muito agressivo, como um câncer maligno. E eu tento ser mais agressivo que este câncer, mas sempre perco e acabo deitado sozinho e bêbado ouvindo músicas tristes. Eu tenho um vizinho velho e alcoólatra que diz que a vida é uma merda mesmo e nunca vai mudar. Eu tento não acreditar, mas ele está sempre tão certo. Tento mais uma fuga, andar pela chuva fria pra curar o porre, uma fuga dentro de outra fuga, mas não adianta. Acho que a vida é uma merda mesmo. No fim, não importa se eu sou decadente, se a minha alma sofre: acho que todos são decadentes, que todas as almas sofrem, e que a vida é mesmo uma merda e não vai mudar. Até mesmo a moça bonita que me disse pra acreditar no “Amor de Jesus Cristo”, que o “Amor de Jesus Cristo” salva, até mesmo a moça bonita de Jesus Cristo sofre e sente sua alma ser devorada pelos cânceres. E eu então? Não conheço Jesus Cristo, só conheço um vizinho velho que vive me pedindo dinheiro pra comprar cervejas e um amigo bigodudo meio ausente e meio doido que diz que Deus morreu. Eu acho que se Jesus Cristo era parte de Deus, Deus morreu mesmo, e se nós também somos parte de Deus, Deus morre a cada dia, e é mesmo um filho-da-puta esse Deus que não faz nada para impedir o seu próprio suicídio. Não importa. Eu sempre fui sozinho mesmo, sem Deus e sem ninguém. A velhinha da catequese queria me exorcizar. Talvez eu devesse ter deixado. Naquela época eu ainda não tinha cânceres e vícios e uma alma sofrida e dilacerada. Se vão os homens entre a terra podre e os vermes nojentos. O que ficam são as palavras. A única coisa que prova que nós existimos, que eu existi. Espero que as minhas fiquem. Meu amigo bigodudo ficou mudo e meu vizinho velho e bêbado diz que o inferno é melhor do que o céu. Eu nunca acreditei em nada disso mesmo. Viro a última dose de vodka. Durmo pra esquecer. Se eu acordar amanhã já vai ser lucro. Ou não.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Carta ao Ryan (por Carla Abreu)

Amor do meu mundo, dos meus sonhos, dos meus dias, da minha vida.
Existe uma frase linda da Adélia Prado que diz:
“Uma noite estrelada vale a dor do mundo”.
Eu leio essa frase e fico submersa. Tanta coisa vale a dor do mundo. Tanta coisa vale a dor do meu mundo. Você vale a dor do mundo. Vale, porque você direciona meus sentidos. Porque é múltiplo, indecifrável. Se tornou meu foco. Meu ponto de referência. Minha melhor surpresa.
Antes eu estava perdida.Perdida em um desejo enorme. Sem planos. Sem motivos. Sem nada de novo e sem coração. Então eu me apaixonei. Me apaixonei por você. Pelos seus olhos que me olhavam e me pediam em silêncio.
Vai, toma, leva. Me emprestei um pouco, agora leva o resto. Não tenho o que fazer com o que ficou de mim. Meu juízo foi pro lixo. Olha, amo você. Assim como amo minha loucura. Me entende? Eu sei que sim. Porque você é mais louco que eu, achei alguém mais louco e lindo que eu. E você é romântico. Meu Deus! Suas palavras são tão eternas que eu poderia morar nelas e ser cada letrinha de suas frases. Desde então, te quero fazendo parte da minha vida, dos meus planos, das minhas loucuras.Nossa loucura junta nos salva...
Então leva. Me leva e não devolve. Me leva e constrói um barco, vamos ler Jonh Fante, ficar bêbados de prazer, vamos fazer alguma coisa grave porque nada mais nos resta. Te resta? Eu te resto. Eu e nossa loucura. Nossos planos foram reduzidos a pó. Junta nosso lixo, joga tudo fora, não temos nada mais pra sonhar. Mas temos vida, um coração que bate.Melhor, que capota.
Temos ainda nossa falta de juízo, nossas palavras, nossos gostos parecidos, nossos medos e uma imaginação sem fim. Será preciso mais?

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Devaneio

Às vezes eu só queria algo que não fosse tão amargo. Algo doce. Algo que desse vontade de. Mas não há. Nunca. Ou quase nunca. E quando há, não é de verdade. É efêmero. Esboroa-se ao toque. Sempre se esboroa ao toque. Como uma ilusão, uma miragem. Eternamente uma miragem que agonia neste deserto sem fim. Não há metáforas que me salvem. Estou perdido para sempre. Perdido em labirinto de monstros. Dos meus monstros. Perdido neste grande labirinto que sou eu. E sem chance de fuga. Chega um momento da vida, não há como explicar, mas você sabe quando ele chega, mas chega um momento da vida em que as fugas não são mais justificáveis. Seja por cansaço, seja por sei-lá-o-quê, mas chega um momento em que você não consegue mais fugir. Todas as fugas são, no fundo, apenas fugas de si mesmo, e há um momento em que você precisa se enfrentar. Então eu paro e me enfrento. E como dói, é de um desespero e de um pavor excruciantes. Olhar no fundo dos próprios olhos pode ser a morte para quem não está preparado, e ninguém está, ninguém nunca está, não por completo, e é por isso que cada vez que olhamos dentro dos nossos próprios olhos, bem no fundo, cada vez morremos um pouco. Nossas pequenas mortes. Temos centenas, talvez milhares delas durante a vida. E continuamos, sempre em frente, fingindo que não vimos os pequenos pedaços que morrem, as partes de os que deixamos pra trás, às vezes partes tão importantes, simplesmente seguimos em frente, mesmo que o caminho seja para o outro lado. Mas chega uma hora em que você cansa das fugas, das pequenas mortes, cansa de tudo. Então você se enfrenta e pergunta “Quem sou eu?”, “O que eu fiz até aqui?”, “Por que eu fiz?” e “Valeu a pena?”. A quinta questão é informulável. Não é possível descrevê-la em palavras, mas a quinta questão é aquela que dá – ou não – um sentido a sua vida. Você nunca formula essa questão, você apenas a sente. Assim como apenas sente as respostas das outras quatro, sem nunca ter certeza se é o certo. É uma tentativa. É a sua tentativa. É a minha tentativa. Mas nunca a nossa, pois isso é algo que se faz sozinho. A vida é uma sucessão de momentos que se vive sozinho. Pessoas cruzam a nossa existência e nós cruzamos a delas. Todas deixam marcas, algumas profundas, algumas ardidas, algumas com perfume de sândalo, mas na hora do olho-no-olho é apenas você com você mesmo e não há fuga. E depois que você tenta fugir, depois que você morre um pouco a cada dia, depois que atravessam a sua existência, você chega a um ponto em que o caminho acaba. E aí você tem que começar a construir um caminho, e cara, como é difícil! Eu sei, parece fácil quando eu digo assim: construir um caminho. Um dia depois do outro, um pé na frente do outro, uma pessoa depois da outra, os anos passam e as coisas vão acontecendo naturalmente. Mas, cara, não é assim. É difícil, é árduo, cada dia, cada passo, cada escolha. As dores às vezes doem mais do que você pode suportar, e as pequenas mortes tornam-se grandes mortes, e você não sabe como vai levantar no dia seguinte, mas você levanta, você precisa, não é permitido desistir, você sabe que desistir é a morte, e embora você esteja muito cansado você não quer a morte. Um velho bêbado dizia que já havia morrido nove décimos, e que guardava o último décimo como um trunfo, como uma arma. Cara, como é que eu vou saber quantos décimos eu já morri? Às vezes me parece que também são nove. Tanta coisa já se perdeu, tanta coisa ficou pra trás. E eu aqui, agora, nesta sala, divagando sobre tudo isso que é viver, e mesmo sem conseguir chegar à conclusão alguma eu sinto que, de alguma forma, valeu a pena, então eu fico confuso porque foi tudo tão dolorido, mas eu fico feliz porque foi tudo tão intenso e eu sei que a intensidade é boa até quando dói – principalmente quando dói. Eu nem sei mais do que eu estava falando. É impressionante como eu me perco divagando. Fugas, mortes, intensidades, dores... hoje são só palavras vazias na minha mente turva. Mas essas palavras já foram uma vida. Uma boa vida.

...

"only pretty lies"

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Carta ao Juliano Guerra

Meu caro amigo – eu sei que é uma putice começar uma carta assim, até porque nem te conheço direito e não sei se posso te chamar de amigo, embora eu ache que sim, afinal, somos dois canalhas de marca maior, e a amizade verdadeira só pode existir entre dois sujeitos assim. Se um dos dois fosse menos canalha, o outro o enganaria. Se nenhum dos dois fosse canalha? Cala a boca e acorda, nenhum de nós dois tem tempo a perder com esses idealismos ridículos.

Pois bem, estava eu aqui, curtindo a minha pneumonia com uma xícara de chá, quando resolvi escrever-te. Eu poderia dizer várias coisas. Poderia começar com aquele discursinho de olha-o-que-você-anda-fazendo-isso-não-é-vida-que-se-leve-meu-amigo, mas há muito tempo eu já perdi a paciência com esses moralismos idiotas. Quer beber até cair de cara no meio da rua, mergulhado no próprio vômito? Beleza, eu dou a maior força. Às vezes a gente precisa disso mesmo. Já fiz e recomendo. Quer chupar a puta? Eu acho babaquice, mas chupa. O importante é tu fazeres o que tens vontade, senão vais acabar como um desses hipócritasinhos de merda, de All Star, óculos quadradinho e franja, dizendo que é incompreendido. Incompreensão pra mim é viadagem. Sexualidade mal resolvida. E quanto às putas, eu prefiro as que são de graça mesmo. Essas fodem melhor.

Mas o que eu ia te dizer, meu amigo, é que essa vida não leva a nada... É claro que eu tô gozando com a tua cara, tu acha mesmo que eu ia dizer uma babaquice dessas?

Sim, eu entendo todo o rancor, o ceticismo e o cinismo. Entendo o ódio também. Não, eu não tô julgando, acho que tu estás é muito certo. Hoje o mundo é mesmo um grande balde de merda, e o que nos resta é catar os grãos de milho flutuantes. Tu não gostas de milho? Eu também não. Entendes o que eu quero dizer?

Mas é fatídico, não adianta mais passarmos as madrugadas bebendo e reclamando. No fim, só o que acaba é o dinheiro. O rancor, o ódio e tudo-o-mais continuam. E ainda tem a frustração por sermos tão inúteis que nem sequer esquecer conseguimos. Grande balde de merda.

Não, eu não vou escrever cartinha pra te animar, e sei que tu não esperas isso de mim. Serias muito estúpido se esperasse. Bom, pra falar a verdade, não sei bem por que te escrevo. Acho que é porque tu compreendes. Quer dizer, eu acho que tu compreendes, saber, eu não sei. Tava lendo um conto do Bukowski esses dias, e falava de uns dias que o velho passou em Veneza com o Kerouac. Eles se entendiam, saca? Acho que tu me entendes, mais ou menos assim, como o Bukowski e o Kerouac se entendiam. Porque não adianta, tem certas coisas que tu tens que sentir pra entender. As outras pessoas não sentem, não desta forma. Não há como elas entenderem. Por mais que elas vivam em um balde de merda, passam perfume e fingem que estão em um campo de flores. Eu não consigo ser assim. Sei que tu também não. Precisamos do nojo e da repulsa que dá viver neste grande balde de merda pra escrever. E pra viver. Dá tudo no mesmo.

Acho que era isso que eu tinha pra te dizer. Na verdade eu não disse nada, mas a noite tá fria, a internet tá lenta e eu não tinha nada pra fazer. Saudações nada cordiais, porém sinceras, do teu amigo – ou não, tanto faz – Ryan.

Eu

Bêbado e louco. Estômago ardido. Emoções dilaceradas. Procurando alguma beleza na vida. Procurando alguma desculpa ou tentando fingir que não sou um grande canalha. Fracassado em tudo. Em todas as tentativas frustradas, em todas as escolhas erradas, em todos os amores perdidos. Fracassado por escolha própria.

Charles Bukowski - Music by Johnny Cash

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Azia, má digestão & tormentos da alma

a culpa é deste velho estômago
raquítico
sifílico
que ainda me alimenta
me sustenta
embromações
de más digestões
no estômago
na alma
más digestões de autores loucos
literatura que me causa úlcera
a boca azeda
amarga
ácidos estomacais
sempre muito ácido
o estômago
eu
a alma
tomo um sal de frutas
com uma boa dose de jazz
esperando que passe
mas a úlcera é eterna
tormento do corpo e da alma
não vai adiantar
acho que eu preciso mesmo é de uma puta pra foder.

domingo, 1 de junho de 2008

meu momento

não tenho mais tempo pra escrever
não tenho mais tempo pra pensar
não tenho mais tempo pra respirar

não tenho mais tempo pra cortar as unhas nem para fazer a barba


só leio livros acadêmicos
escrevo artigos e resenhas
arranco os cabelos
coço a barba que não pude fazer

tá tudo um caos
e nada acontece

não consigo conversar com quem preciso
não consigo me comunicar com quem eu quero

está tudo resumido a vários 'nãos'
e eu estou aqui vivendo nesse universo de coisas que não são pra mim
nunca serão

e esperando que semestre que vem as coisas mudem
que eu mude
de cidade
de país
de atitude
de vida

e continuo não fazendo nada
enquanto a minha vida me carrega
vertiginosamente
peixinho sendo arrastado pela correnteza

ausente
de mim
dos outros
de tudo o que preciso

vou dormir agora
sabendo que quando acordar nada terá mudado
e que minhas eternas reclamações serão apenas isso:
reclamações
e eternas

boa noite.

pedido

acaba semestre, peloamordedeus, acaba.