segunda-feira, 9 de junho de 2008

Devaneio

Às vezes eu só queria algo que não fosse tão amargo. Algo doce. Algo que desse vontade de. Mas não há. Nunca. Ou quase nunca. E quando há, não é de verdade. É efêmero. Esboroa-se ao toque. Sempre se esboroa ao toque. Como uma ilusão, uma miragem. Eternamente uma miragem que agonia neste deserto sem fim. Não há metáforas que me salvem. Estou perdido para sempre. Perdido em labirinto de monstros. Dos meus monstros. Perdido neste grande labirinto que sou eu. E sem chance de fuga. Chega um momento da vida, não há como explicar, mas você sabe quando ele chega, mas chega um momento da vida em que as fugas não são mais justificáveis. Seja por cansaço, seja por sei-lá-o-quê, mas chega um momento em que você não consegue mais fugir. Todas as fugas são, no fundo, apenas fugas de si mesmo, e há um momento em que você precisa se enfrentar. Então eu paro e me enfrento. E como dói, é de um desespero e de um pavor excruciantes. Olhar no fundo dos próprios olhos pode ser a morte para quem não está preparado, e ninguém está, ninguém nunca está, não por completo, e é por isso que cada vez que olhamos dentro dos nossos próprios olhos, bem no fundo, cada vez morremos um pouco. Nossas pequenas mortes. Temos centenas, talvez milhares delas durante a vida. E continuamos, sempre em frente, fingindo que não vimos os pequenos pedaços que morrem, as partes de os que deixamos pra trás, às vezes partes tão importantes, simplesmente seguimos em frente, mesmo que o caminho seja para o outro lado. Mas chega uma hora em que você cansa das fugas, das pequenas mortes, cansa de tudo. Então você se enfrenta e pergunta “Quem sou eu?”, “O que eu fiz até aqui?”, “Por que eu fiz?” e “Valeu a pena?”. A quinta questão é informulável. Não é possível descrevê-la em palavras, mas a quinta questão é aquela que dá – ou não – um sentido a sua vida. Você nunca formula essa questão, você apenas a sente. Assim como apenas sente as respostas das outras quatro, sem nunca ter certeza se é o certo. É uma tentativa. É a sua tentativa. É a minha tentativa. Mas nunca a nossa, pois isso é algo que se faz sozinho. A vida é uma sucessão de momentos que se vive sozinho. Pessoas cruzam a nossa existência e nós cruzamos a delas. Todas deixam marcas, algumas profundas, algumas ardidas, algumas com perfume de sândalo, mas na hora do olho-no-olho é apenas você com você mesmo e não há fuga. E depois que você tenta fugir, depois que você morre um pouco a cada dia, depois que atravessam a sua existência, você chega a um ponto em que o caminho acaba. E aí você tem que começar a construir um caminho, e cara, como é difícil! Eu sei, parece fácil quando eu digo assim: construir um caminho. Um dia depois do outro, um pé na frente do outro, uma pessoa depois da outra, os anos passam e as coisas vão acontecendo naturalmente. Mas, cara, não é assim. É difícil, é árduo, cada dia, cada passo, cada escolha. As dores às vezes doem mais do que você pode suportar, e as pequenas mortes tornam-se grandes mortes, e você não sabe como vai levantar no dia seguinte, mas você levanta, você precisa, não é permitido desistir, você sabe que desistir é a morte, e embora você esteja muito cansado você não quer a morte. Um velho bêbado dizia que já havia morrido nove décimos, e que guardava o último décimo como um trunfo, como uma arma. Cara, como é que eu vou saber quantos décimos eu já morri? Às vezes me parece que também são nove. Tanta coisa já se perdeu, tanta coisa ficou pra trás. E eu aqui, agora, nesta sala, divagando sobre tudo isso que é viver, e mesmo sem conseguir chegar à conclusão alguma eu sinto que, de alguma forma, valeu a pena, então eu fico confuso porque foi tudo tão dolorido, mas eu fico feliz porque foi tudo tão intenso e eu sei que a intensidade é boa até quando dói – principalmente quando dói. Eu nem sei mais do que eu estava falando. É impressionante como eu me perco divagando. Fugas, mortes, intensidades, dores... hoje são só palavras vazias na minha mente turva. Mas essas palavras já foram uma vida. Uma boa vida.

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