quinta-feira, 5 de junho de 2008

Carta ao Juliano Guerra

Meu caro amigo – eu sei que é uma putice começar uma carta assim, até porque nem te conheço direito e não sei se posso te chamar de amigo, embora eu ache que sim, afinal, somos dois canalhas de marca maior, e a amizade verdadeira só pode existir entre dois sujeitos assim. Se um dos dois fosse menos canalha, o outro o enganaria. Se nenhum dos dois fosse canalha? Cala a boca e acorda, nenhum de nós dois tem tempo a perder com esses idealismos ridículos.

Pois bem, estava eu aqui, curtindo a minha pneumonia com uma xícara de chá, quando resolvi escrever-te. Eu poderia dizer várias coisas. Poderia começar com aquele discursinho de olha-o-que-você-anda-fazendo-isso-não-é-vida-que-se-leve-meu-amigo, mas há muito tempo eu já perdi a paciência com esses moralismos idiotas. Quer beber até cair de cara no meio da rua, mergulhado no próprio vômito? Beleza, eu dou a maior força. Às vezes a gente precisa disso mesmo. Já fiz e recomendo. Quer chupar a puta? Eu acho babaquice, mas chupa. O importante é tu fazeres o que tens vontade, senão vais acabar como um desses hipócritasinhos de merda, de All Star, óculos quadradinho e franja, dizendo que é incompreendido. Incompreensão pra mim é viadagem. Sexualidade mal resolvida. E quanto às putas, eu prefiro as que são de graça mesmo. Essas fodem melhor.

Mas o que eu ia te dizer, meu amigo, é que essa vida não leva a nada... É claro que eu tô gozando com a tua cara, tu acha mesmo que eu ia dizer uma babaquice dessas?

Sim, eu entendo todo o rancor, o ceticismo e o cinismo. Entendo o ódio também. Não, eu não tô julgando, acho que tu estás é muito certo. Hoje o mundo é mesmo um grande balde de merda, e o que nos resta é catar os grãos de milho flutuantes. Tu não gostas de milho? Eu também não. Entendes o que eu quero dizer?

Mas é fatídico, não adianta mais passarmos as madrugadas bebendo e reclamando. No fim, só o que acaba é o dinheiro. O rancor, o ódio e tudo-o-mais continuam. E ainda tem a frustração por sermos tão inúteis que nem sequer esquecer conseguimos. Grande balde de merda.

Não, eu não vou escrever cartinha pra te animar, e sei que tu não esperas isso de mim. Serias muito estúpido se esperasse. Bom, pra falar a verdade, não sei bem por que te escrevo. Acho que é porque tu compreendes. Quer dizer, eu acho que tu compreendes, saber, eu não sei. Tava lendo um conto do Bukowski esses dias, e falava de uns dias que o velho passou em Veneza com o Kerouac. Eles se entendiam, saca? Acho que tu me entendes, mais ou menos assim, como o Bukowski e o Kerouac se entendiam. Porque não adianta, tem certas coisas que tu tens que sentir pra entender. As outras pessoas não sentem, não desta forma. Não há como elas entenderem. Por mais que elas vivam em um balde de merda, passam perfume e fingem que estão em um campo de flores. Eu não consigo ser assim. Sei que tu também não. Precisamos do nojo e da repulsa que dá viver neste grande balde de merda pra escrever. E pra viver. Dá tudo no mesmo.

Acho que era isso que eu tinha pra te dizer. Na verdade eu não disse nada, mas a noite tá fria, a internet tá lenta e eu não tinha nada pra fazer. Saudações nada cordiais, porém sinceras, do teu amigo – ou não, tanto faz – Ryan.

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