sábado, 13 de setembro de 2008

A Maçã

Foi um estremecimento moral, existencial e até mesmo físico. Não sei explicar exatamente o que houve. A vida parecia normal. Um dia qualquer, um dia comum. Mas aí aconteceu. Eu não podia acreditar, eu não podia entender. Aquilo não fazia sentido na minha cabeça – na verdade, acho que não faz sentido até hoje. Eu nunca entendi bem o que realmente aconteceu naquela noite. Estávamos todos lá, era uma noite de outono, fria, porém agradável. Ninguém poderia esperar algo assim. Na verdade, eu acho que ninguém notou. E como poderiam notar? Foi tudo tão bem executado. O destino caprichosamente preparou cada detalhe. A noite, o vinho, as pessoas. E aquele caos entrando em ebulição secretamente, panela de pressão pronta para explodir no meio do berçário. E os bebês dormiam. Como eu já disse, não há uma explicação lógica para o que aconteceu. Foi um fenômeno interno. Cósmico. Astral. Filosófico. Existencial. Foi algo que abrangeu todas as instâncias do seu ser. Algo que o marcou e modificou para toda a vida. Um instante decisivo. E houve algo que simbolizou tudo isto: uma maçã. Ele sempre preferira morangos, mas o momento de sua vida ficou inscrito para sempre em sua memória sob o signo de uma maçã. Estavam todos na sala, deleitando-se com suas futilidades e trivialidades. Ele fora sozinho até a cozinha, onde permanecera. Lá estava a maçã, solitária e brilhante sobre a mesa. Quando ele viu a maçã, aconteceu. No fundo de sua alma ele soube, e a partir daí nada mais voltaria a ser o que era. Olhando fixamente para a casca brilhante da maçã, ele pôde ver algo incrível, inacreditável, indizível. Ele viu a si mesmo. E naquele reflexo avermelhado ele olhou no fundo dos seus próprios olhos, e se deu a catarse. Só o que restou daquela maçã foi a camisa de força e o quarto acolchoado.

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