quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Bailarina, Egocêntrica & Escandalosa ou Sol ou Considerações Filosóficas Acerca Do Encontro Com A Mulher Perfeita

Primeiro veio a espera. Horas, minutos, segundos. Cada um contendo em si a sua própria eternidade. Angustiante, a espera.

Incomensurável. Esta é a palavra, creio, que melhor define o conjunto de sentimentos exacerbados que convencionei chamar neste texto de: Ela.

A primeira descrição que li dela, isso muito antes do encontro, era composta por três palavras: bailarina, egocêntrica & escandalosa.

Bailarina: Que baila. Dança. Arte. Que usa o corpo como uma obra de arte. Que traduz nos movimentos do corpo os sentimentos da alma. Sentir. Bailar. Bailarina.

Egocêntrica: Que gosta de ser o centro. Sol. Centro de gravidade. Magnetismo pessoal. Força. Energia. Luz. Que ilumina. Que ama e ilumina. Que modifica. Força motriz do universo. De tudo que está ao redor. Sol. Centro. Egocêntrica.

Escandalosa: Escândalo. Chamar a atenção. Novamente centro. Necessidade leonina. Leão. Signo de fogo. Chama mais alta. Que arde. Que queima. Que, desgovernada, fere. Que, novamente, ilumina. Fogo. Força. Luz. Que é vista ao longe. Vista por todos. Sempre. Escândalo. Escandalosa.

Sempre achei curiosa essa descrição: bailarina, egocêntrica & escandalosa. Parecia muita coisa para uma só pessoa. Eu acho estranho usar o conceito de pessoa para defini-la. Embora ela seja uma pessoa, é uma pessoa na milésima potência, o tempo todo. De forma que os conceitos comumente usados não se aplicam.

Mas eu falava da espera. A nuvem de apreensão dissipou-se na escada rolante. Avistei-a. Ali. Esperando por mim num local não previamente combinado, desarmando-me completamente antes mesmo de ter me visto. Ela era linda. Aquele sorriso. Dentinhos de coelho. O sorriso que ilumina. (Novamente sol, luz, centro de gravidade.) O sorriso. O corpo que apresentava mais curvas do que eu me lembrava ou imaginara. Corpo de mulher. (Bailarina. Obra de arte em movimento.) Ela era linda, parada ali no meio da multidão que deixou de existir no momento em que a vi. Usava os mesmos brincos da foto em que Marilyn Monroe a imitava. Chamaram-me logo a atenção, os brincos. Era uma foto em que Marilyn, em um quadro à esquerda, imitava a pose dela, à direita. As opiniões foram unânimes: Marilyn não chegava aos pés dela. Ela usava os brincos da foto com Marilyn. E o cabelo em cachos desgrenhados que emoldurava o seu rosto tal qual o mais belo quadro que deveria ter sido pintado. Repito, ela era linda. E macia. O toque da sua pele. Macia.

(Tenho que fazer um parêntese para informar que é impossível descrevê-la. Indubitavelmente a sua verdadeira natureza é incomensurável e indescritível. Pela abundância de palavras com o prefixo in, o leitor já pode concluir que seria inútil continuar. O que eu retrato aqui, sob o conceito de Ela, é apenas a pequena parte que me foi possível apreender/compreender de tudo o que ela, de fato, é.)

Sentamos em um café semi-deserto. Dois capuccinos. Com chantilly. Ela me explicava, orgulhosa, a técnica para se comer o chantilly sem transformar o café num vulcão. Eu adorava o timbre de voz dela. Era alto e meio rouco. Uma vez eu falava com ela ao telefone, quando disse-lhe que ela tinha voz de quem passava o dia inteiro gritando. (Escandalosa.) Mas no café ela não gritava. Apenas falava em ritmo acelerado, quase compulsivo. Falava. Falava com as mãos. Empoleirada na cadeira – ficava ainda mais linda sentada nessas posições estranhas falando descontroladamente – precisava de um grande espaço à sua volta para movimentar mãos e braços em uma verdadeira dança (bailarina) que acompanhava o ritmo da fala. Certa vez conversávamos sobre uma coreografia que ela estava criando. Ela angustiava-se por não conseguir entender de onde vinham aqueles movimentos. Deveriam ser lógicos, racionais, ela argumentava comigo. Eu sabia que eles jamais seriam. (Movimento, dança, arte, reflexo da alma.) Acho que depois ela também descobriu. Mas ela criava coreografias lindas ali, empoleirada em uma cadeira num café semi-deserto. Ela dançava com braços e mãos enquanto falava descontroladamente sobre si mesma. (Egocêntrica.) Sempre muito agitada. Suas mãos pequenas e macias, muito bem desenhadas, bailavam no ar formando desenhos mil. Eu não podia prestar atenção. O que ela dizia era sempre mais importante do que a obra de arte em movimento que era ela. E haviam os olhos. De um azul muito claro. Olhos muito profundos. Eu tinha medo. Tentava evitar olhares diretos. Disfarçava, dissimulava. Procurava olhar no fundo dos seus olhos quando ela se perdia em si mesma e esquecia que eu estava ali. Quando ela olhava de volta, eu desviava o olhar. Covardia. Medo. Não sei bem de quê. Mais tarde, na rua, em meio à multidão e ao caos porto-alegrense – que também deixavam de existir na presença dela –, eu de óculos-escuros – covarde – pude olhá-la no fundo dos olhos enquanto ela falava comigo. Não sei se ela me via. Se era uma frágil inútil ridícula proteção. No fundo, não adiantava de nada mesmo. Ela já conhecia a minha alma.

Ao deixar-me abandonado no meio de Porto Alegre, ela apontava braços e mãos nas mais variadas direções, alucinada e frenética, meio por pressa, meio por preocupação, meio por desorientação. Eu sorria. Ela era linda. Ela era linda e não existia mais ninguém. Agora também não existia mais a falsa imagem, a ilusão de quem era ela. Agora só havia ela, parada ali, à minha frente, cabelos ao vento, corpo cheio de curvas e a palavra “Liberdade” tatuada na alma.

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