sexta-feira, 3 de julho de 2009

sobre o amor

Sentir o ar da cidade, sentir a cidade respirando. A cidade é um organismo vivo, que pulsa. Ouvir os sons, o tique-taque do relógio, e eu aqui, observando a cidade de dentro pra fora, de fora pra dentro, escondido por trás do vidro da janela. Observando as pessoas a caminhar, a cidade a pulsar, sem saber ao certo quem sou, o que vai acontecer, o que devo fazer. Sem saber nada, como alguém que se descobre cego de repente e sai tateando, procurando, em meio à escuridão e ao desespero, tomado de perplexidade.

A condição humana é triste. Isso é um fato inegável. Quanto mais eu penso, mais me dou conta disso. O que significa ser humano, além de dor e sofrimento? Amor? Amor é ilusão. Provavelmente a maior das ilusões. Uma ilusão divina, presente dos deuses para aplacar a tristeza de nossas vidas miseráveis. Nós, como seres humanos, somos incapazes de amar. Não amamos nem a nós mesmos. Idolatramo-nos junto com os nossos deuses – geralmente nos idolatramos mais do que aos nossos deuses –, e tudo isso pra quê? Pra nada. No fundo é tudo ilusão, quimera mágica que escorre pelos dedos tal qual areia; assim como o amor. Eterno amor. Impossível amor. Ilusão suprema dos pobres mortais.

Engraçado. Fazia tempo que eu não pensava sobre o amor, que eu não escrevia sobre o amor. A descrença suplantou o amor que havia em mim há muito tempo. E não seria tudo a mesma coisa? A descrença. O amor. Tudo ilusão? Apenas caricaturas de percepções vagas. Apenas tentativas, que nem sempre são tão válidas assim. Tentativas vãs de escapar da dor e do sofrimento que significa ser humano. Sim, pois tal qual o amor, a descrença também é uma tentativa de salvação. Tentativa daqueles que acreditaram demais, e presenciaram toda a maldade e crueldade humana na pele, no sangue, no coração. A minha descrença me salva, me protege, me ilumina até. Torna-me sagrado e especial em meio ao mundo cinzento em que vivemos. Dá-me novas percepções, me permite ir além. A minha descrença é a minha salvação – minha ilusão. Quanto aos outros, que fiquem com o amor – ilusão mais imperfeita e fugidia do que todas as outras. O eterno amor. A elevação sublime da condição humana, o dom dos deuses, que vislumbramos mas nos é negado a cada tentativa vã, a cada pedido desesperado, a cada coração dilacerado. O amor, dom dos deuses, que a nós, humanos e mortais, só faz sofrer.