quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Um Casal Quase Perfeito

Uma menina ruiva parada à minha frente. Foi assim que começou. Era uma tarde quente em Porto Alegre. Era primavera, mas parecia verão. Ela era ruiva, tinha olhos verdes assustados e a pele muito branca. Vestia uma camisola de criança – curtíssima – e estava parada à minha frente, enroscando os pés descalços um no outro e comendo Passatempo recheado. Era dois anos mais velha do que eu, mas olhando assim parecia uma criança. Eu estava deitado, ouvindo Nick Drake com um caderno aberto ao colo. Várias esquematizações inúteis para tentativas vãs de escrever. Ela olhava e tentava descobrir sobre quem eu escrevia. Eu dizia é apenas literatura. Era mentira. Ela sabia. Eu disfarçava. Ela voltava para o quarto ler seus livros de literatura infanto-juvenil. Ela não lia o que eu escrevia. Tinha medo. Eu ainda sentia o cheiro do gozo dela entre minhas pernas. Suor empapando a camiseta e a bermuda. O verão senegalês de Porto Alegre – mesmo na primavera.

O fato é que ela era uma tentativa. Uma tentativa minha. Uma construção. Quase um texto; uma obra literária de olhos verdes e cabelos vermelhos. Eu a amava. Ela não tinha certeza. Não tinha como saber. Sabia apenas que eu amava a mim mesmo e a minha literatura – não necessariamente nessa ordem. Mas eu a amava – enquanto minha construção; minha obra-prima, talvez.

A tarde ia chegando ao fim. A luz ia tornando-se azulada. Eu escrevia na sala. Ela lia um livro amarelo deitada na cama. Porta do quarto fechada. Eu ouvia música. Ela precisava de silêncio. Coisa engraçada, sendo que o silencioso da relação sempre fora eu.

Eu havia lido uma história sobre uma menina morta durante o dia. Ela assistira animes & organizara papéis. Um casal quase perfeito. Algumas horas de sexo de manhã, uma transa rápida à tarde. Poucas palavras trocadas durante o dia. Sobre o que é o livro que tu tá lendo? Sobre uma menina morta. Ah... Um casal quase perfeito.

A noite ia caindo. Mosquitos entrando pela janela aberta. A primavera de quarenta graus abafados de Porto Alegre. Eu escrevendo na sala. Ela lendo no quarto. Porta fechada. Um casal quase perfeito...

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