Largou a navalha e olhou-se no espelho. Olheiras fundas; expressão cansada. Restos de espuma no pescoço. Há tempos deixara de ser cuidadoso ao barbear-se. Há tempos deixara de ser cuidadoso em várias coisas.
Entrou no banho. Água quente sobre a pele. Vapor entorpecendo-o. A ducha quente sempre clareava suas idéias; parecia espantar o cansaço – pelo menos por uma meia hora.
Lavou o cabelo duas vezes, perdido, alienado. Não se dava conta da realidade. O vapor brumoso do pequeno box parecia transportá-lo para outro mundo. Não pensava; não sentia. Apenas ficava imerso na umidade quente, turva.
Desligou o chuveiro; vestiu-se; saiu para a rua. A garoa fria; os sons agudos; a poluição suja que não se deixava lavar; as imagens do centro imundo de Porto Alegre. Tudo isso o agrediu de uma forma tão violenta que ele chegou a dar dois passos, de costas, para dentro do prédio. A ilusão do banho havia acabado. Ele engoliu a seco e saiu novamente.
O vento e a garoa fina encharcavam o sobretudo e o chapéu de feltro. O dia era nublado, cinzento; e ele ia todo de negro pelo meio da multidão multicolorida, que o atacava com guarda-chuvas afiados e olhares de reprovação e susto. Realmente, mesmo limpo e – mal – barbeado, sua figura não era das melhores. As olheiras, a expressão cansada. Alguma coisa agressiva e triste naquele olhar. E ele ia indo pelo meio da chuva.
Entrou em um café e sentou-se em uma mesa ao fundo. Largou o chapéu e o sobretudo encharcado sobre uma cadeira. Abriu o casaco. O ambiente abafado do lugar o sufocava. Ela observava-o com curiosidade. Apenas quando acabou de acomodar-se e habituar-se ao lugar, ele olhou-a e disse:
– Oi.
– Oi. – Ela lhe respondeu sorrindo.
Ele sorriu também. Eram cúmplices. Amantes; amigos; tudo. Eram tudo um para o outro – o mundo – e nada mais importava.
Dois capuccinos sem chantilly. Planos para ir ao teatro, ao cinema, à livraria. Uma harmonia cálida com cheiro de café. No fundo, não havia necessidade de palavras entre eles. Já haviam se dito tudo anos atrás. Já apaixonaram-se; amaram-se; odiaram-se. E o que restou? Restaram os dois, em um café no centro de Porto Alegre, em uma tarde cinzenta e chuvosa de agosto.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
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3 comentários:
Tava sentindo falta dos teus textos =)
Eu também.
Restou tdo então. Delicia.
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