terça-feira, 1 de abril de 2008

Comunicação: um problema insolúvel

A comunicação é essencialmente um processo simbólico de significação, aonde o ser humano se relaciona com as coisas e, a partir das percepções adquiridas nesta relação, se auto-constitui e constitui o mundo ao seu redor.

Nas sociedades pré-modernas o processo comunicacional apresentava-se no seu estágio “mítico”, estágio este que permanece até a criação da imprensa de Gutenberg. Neste estágio a relação do homem com o mundo dava-se a partir do passado. Isto devia-se ao fato de que a comunicação oral predominava, portanto, os conceitos através dos quais as pessoas se relacionavam com o mundo eram conceitos que lhes foram transmitidos por seus pais, avós, etc. Deste modo, os conceitos eram fixados em determinado momento histórico e permaneciam os mesmos por várias gerações, já que não havia a possibilidade de questioná-los. Então o passado – que obviamente permanecia imutável – definia a relação dos homens com a sua realidade. Desta forma, não era possível uma problematização do sujeito e das coisas que o cercavam.

Com a criação da imprensa de Gutenberg a relação do homem com o seu mundo deixou de ser regida pelo passado e passou a ser um fenômeno orientado pela razão do presente. A partir desta mudança tudo se tornou problematizável. O homem pôde, neste momento, discutir e relativizar o mundo que o cercava. A criação da imprensa é apenas um dos fatores que contribuem para a instauração da modernidade como modelo teórico vigente. A comunicação, no contexto moderno, assume máxima importância. O sujeito moderno é crítico, sabedor de si a partir das coisas do mundo que o cerca, sujeito este que se relaciona com a sua realidade e, a partir desta relação forma esta mesma realidade e forma a si mesmo. A comunicação é o processo que permeia toda esta relação.

Podemos afirmar que a modernidade é o “auge” da comunicação como processo simbólico, é o momento histórico aonde a comunicação se apresenta no seu estágio “crítico”. Nas sociedades pré-modernas a relação do homem com a sua realidade se dava a partir de conceitos pré-determinados e imutáveis. Na modernidade esta relação passa a ser simbolicamente problematizável. Este é o único momento histórico em que isto de fato acontece. Já na pós-modernidade, a comunicação passa a, de certa forma, “perder” o seu aspecto simbólico, a sua capacidade de problematizar o sujeito e o mundo a sua volta.

A sociedade pós-moderna suprime a sensação de distância. Neste contexto a preocupação básica não envolve o processo simbólico da comunicação, mas sim o simples fluxo de informação. Desta forma as “coisas” são consideradas meros dados a serem transmitidos, ou seja, estas “coisas” não formam o sujeito e não são formadas por ele. Há um certo distanciamento do sujeito em relação às “coisas”. Pode-se inclusive fazer um comparativo com o estágio mítico da comunicação, aonde o que fora estabelecido no passado era considerado verdade absoluta e imutável, portanto, não sujeita à problematizações. Atualmente os dados – informação – também não se sujeitam ao aspecto simbólico da comunicação, pois estes dados também são considerados, em certo nível, como a “verdade absoluta das coisas”.

Na sociedade pós-moderna, permeada por uma velocidade que poderia ser classificada como caótica, não há tempo para o sujeito se deparar com as “coisas do mundo da vida” e problematizar acerca delas. Atualmente o ser humano vive muito mais ligado ao virtual do que ao real. Considerando que o virtual depende de um fluxo de informações em velocidade vertiginosa, começamos a perceber como o aspecto crítico e simbólico da comunicação foi sendo deixado de lado.

A “realidade virtual” nos deu a sensação de supressão das distâncias. Hoje o “mundo real” está tão intrinsecamente ligado ao “mundo virtual”, que é impossível pensá-los separados, não esquecendo que o virtual é uma “atualização” do real – um deslocamento. O virtual é um produto do nosso imaginário. O sujeito pós-moderno cria o seu mundo virtual de acordo com os seus desejos e anseios. Ele busca concretizar nesta “atualização da realidade” tudo o que não conseguiu alcançar no “mundo da vida”. Só que, por vezes, este sujeito penetra tão profundamente nesta “realidade virtual”, que deixa de lado a sua própria realidade. É então que a comunicação deste sujeito passa a dar-se quase que exclusivamente no “mundo virtual”, em detrimento do “real”. Mas se cada sujeito “constrói” o seu “mundo virtual” com base no seu próprio imaginário, temos que admitir que nenhuma comunicação que se dá no âmbito virtual pode, de fato, ser considerada “verdadeira”, pois quem habita neste âmbito são as “atualizações” dos sujeitos, e não eles próprios.

O sujeito conectado no “mundo virtual” contribui para o fluxo de informações em hyper-velocidade, o que gera outro problema comunicacional: grandes quantidades de informação sendo repassada a grandes velocidades impossibilitam qualquer tentativa de reflexão teórica acerca do conteúdo destas informações, portanto impede o aspecto simbólico da comunicação. Desta forma, pode-se deduzir que não há qualquer possibilidade de comunicação no espaço virtual. Isto se torna ainda mais evidente ao percebermos que o mundo virtual é baseado em um código: o código digital. A digitalização das coisas é apenas uma representação da realidade (ao contrário das codificações analógicas, anteriormente usadas, e que eram uma extensão da realidade), e não a realidade em si.

Podemos dizer que o “mundo virtual”, que proporciona um intenso fluxo de informações que vulgarmente é chamado de “comunicação”, sem dúvidas foi um grande avanço em termos de globalização, e poderia até mesmo ser considerado, de certa forma, uma “adequação” das idéias de Norbert Wiener. Wiener idealizou uma “sociedade da informação”, onde as redes e sistemas de comunicações resolveriam todos os problemas relacionados à questão comunicacional. No entanto, estas redes e sistemas foram gradualmente se tornando mais importantes do que o teor do que era comunicado, ou seja, o conteúdo simbólico das comunicações (que neste contexto já se transforma em mero fluxo de informação) é, de certa forma, “suprimido” pela própria técnica das redes e sistemas de comunicações. A velocidade do fluxo de informações aumenta vertiginosamente, fazendo com que a nossa relação com a realidade – virtual e não-virtual – também se torne mais veloz e, em conseqüência, menos crítica.

Então, ficam questões a serem respondidas: Será a comunicação realmente um problema insolúvel? O processo simbólico caminha para a sua extinção ou já terá sido extinto? A realidade virtual tornar-se-á a nossa única realidade? De que forma uma “atualização”, baseada no imaginário de um sujeito que não é crítico, que lida apenas com representações da realidade, em nível de mera informação – dado – conseguirá fazer parte de um verdadeiro processo comunicacional?

Prefiro terminar o texto com estas perguntas, pois se as responder corro o risco de ser chamado de “apocalíptico” ou qualquer coisa do gênero.

2 comentários:

Ryan Mainardi disse...

comunicação, saca?

tiago. disse...

apocalíptico, utópico, difamador, louco, comunista, absolutista, sonhador, teórico de nada, desocupado, etc.


belíssimo texto.