sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O fim da plantação de morangos

Ela estava lá. Há muito tempo. Não saberia dizer quanto. Às vezes tenho a impressão de que ela sempre esteve lá. Com seus carreiros bem definidos, com suas folhas verdes e com seus morangos vermelhos. Não me lembro de onde veio a primeira muda. Não me lembro de ver o primeiro pé crescer. Mas lembro de quando comi o primeiro morango. Rubro como sangue. Saboroso e suculento como uma paixão. Lembro exatamente do gosto do primeiro morango. Gosto que nunca se repetiu. Cada morango tem um gosto diferente. E ultimamente eles andavam tão amargos. Eu continuava comendo-os, fingindo que gostava, tentando disfarçar o gosto com vodka e cigarros. Não adiantava. As noites eram mal-dormidas, e o gosto amargo destes morangos, tão diferentes do primeiro, permanecia na minha boca. Então tomei a decisão. Levantei-me no meio da noite. Várias garrafas de vodka deperdiçadas. E um cigarro. Ardia. No meio da noite os morangos ardiam. Não demorou muito para as chamas devorarem a plantação, e a noite voltar à sua calmaria escura. Eu voltei para a cama. Mas não consegui dormir. Não havia mais morangos, mas o seu gosto permanecia na minha boca. Foi então que eu percebi: o gosto de morangos não vinha da plantação que eu queimara, mas da plantação que havia dentro de mim.

Um comentário:

tiago. disse...

abstrato.

gostei.

o início me lembrou 'la merde les cigaretes'.

gostei.