Bate na porta.
Ele: – Tá aí?
Ela: – Ahm... Acho que sim...
Ela sorri por trás da porta.
Ele: – Acha? O que que tu tá fazendo? Ele tá aí?
Ela sorri de novo.
Ela: – Não. Ele tá viajando...
Ela sorri ainda mais, e se segura para não gargalhar, escorada com as costas na porta.
Ele: – Hum... O que que tu tá fazendo? Não vai dormir? Não vai sair?
Ela: – Não... Adivinha...
Ela sorri. Chama seu nome três vezes.
Ele: – O quê?! O quê?!! O quê?!!!
Ela abre a porta. Eles se abraçam e se beijam no rosto. Vão para a sala e sentam-se no sofá macio. Há uma garrafa de vinho pela metade e duas taças na mesinha de centro.
Ele: – Vinho! Vamos beber... E vamos aproveitar a noite que não traz nada de bom... A noite vazia parada entediante...
Ela: – Ai meninooo!!! Tô fazendo a análise daquele livro, tu não lembra...
Ele: – O quê? Vamos beber vinho gelado e esquecer a falta de corpos quentes...
Ela: – Eu estou em casa fazendo trabalho. Amanhã eu tenho que acordar às oito da manhã e viajar pra ir ver o meu avô que está no hospital. Vou ter que ficar lá até domingo. Sábado vou visitar minha amiga. Não dá pra beber hoje!!!
Ele: – Então não vai amanhã... Tu nem quer ir... Por que tu faz coisas que não quer? Não faz sentido... Então conversa comigo até a manhã chegar... Me conta a tua vida... As tuas desilusões passadas, os teus medos futuros... Os teus desesperos presentes... Me conta tudo!!! Ou não...
Ela passa a mão devagar no rosto dele.
Ela: – Hey... O que foi menino?
Ele: – Nada não... Só desespero sei lá de quê...
Ela: – Hum...
Ele: – Eu só queria um pouco de... Algo que eu não tenho...
Ela: – Hum... Só não fica achando que tu é o único a se sentir assim... Porque não é.
Ela sorri pra ele.
Ele: – É que eu to me encontrando comigo de novo... E isso é... Desesperador... Eu tinha me esquecido de mim mesmo... E estava tudo naquela calma entediantemente serena... E daí, eis que no meio de uma taça de vinho, eu me deparo comigo mesmo, e o pânico vem. E agora o que faço?
Ele olha para ela com desespero.
Ela: – Se aceite.
Ele: – “Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?”, saca? Tudo isto que sou eu é tão... Absurdo... E dolorido... Eu sou desespero... Todo eu...
Ela: – Todos somos... Mas você não consegue ver dentro de todos... O absurdo é a vida... Pra mim pelo menos...
Ela olha para a janela com um olhar melancólico.
Ele: – Não! O absurdo somos nós! A vida é fácil... Nós que não nos encaixamos nela... Provavelmente porque pensamos...
Ela: – É... Pode ser... Eu não acho que devamos pensar muito... O muito nos faz absurdos... Ou sei lá também...
Ele: – Não é questão de muito ou pouco, é pensar! A vida não foi feita pra pensar. É o pensar que nos destrói... Nos desespera... Mas ao mesmo tempo... Nós somos o que pensamos... É tudo que nos resta... Então ficamos neste eterno dilema: viver ou ser?
Ela: – Sim... E por que tu pensa nisso então?
Ele: – Eu já fiz a minha escolha. Eu não vivo. Eu sou... E o que me resta se todos os outros vivem enquanto eu sou?
Ela: – Então não é hora de parar de pensar? Se a escolha está feita... Mas eu não acho que esteja...
Ele: – Não tem volta. Eu já fui longe demais, eu já fui fundo demais... Não tem volta pra mim... E mesmo que tivesse...
Ela: – Tu não quer.
Ele se desespera.
Ele: – O que eu poderia querer do mundo?! E das pessoas?! Não quero nada... Eu sou o desespero. E mais nada. Eu não pertenço ao mundo.
Ela: – Tu tá te fazendo assim... Tu não é assim...
Ele: – Não sei... Sinto aquilo que não consigo explicar... Mas não é bom... Nunca é bom... Não pra mim...
Ela: – Ninguém explica o que sente.
Ele: – Eu não nasci pra ser feliz, esta é a verdade. É fato consumado. E que assim seja.
Ela: – É tu que tá dizendo... É tu que tá fazendo ser assim...
Ele: – Sou eu que sou... O tédio da vida consome. O pensamento transcende e salva. Felicidade é ilusão... Tudo o que existe são perspectivas, pontos de vista... Não há realidade...
Ela: – É... E tu sempre escolhe a pior perspectiva... O pior ponto de vista... É tu que escolhe a tua vida... E no fundo tu sabe que ela não é tão ruim... E que tu não é tão ruim... E que todos sabem disso...
Ele: – Eu sou uma pessoa horrível... Mesmo que tu nunca admita... Ou saiba de verdade... Eu sei que bem lá no fundo tu consegue sentir... Eu sou uma pessoa horrível...
Ela levanta-se violenta.
Ela: – Tu vai ficar com este sentimento de culpa pra sempre?! Eu sei que tu não é assim como tu fala!!! Tu criou isso e acredita!!! Mas tu não é!!!
Ele: – Culpa não existe. Não me sinto culpado. Eu apenas sei o canalha que sou. Não por fatos que aconteceram. Mas pelo simples fato de eu ser eu mesmo. E saber disso.
Ela: – Isso não...
Agora ele levanta-se violento.
Ele: – Eu sou uma pessoa horrível!!!
Sentam-se. Pegam as taças. Bebem o vinho.
Ele: – “Tu já pensou nos átomos. E no espaço entre os átomos. É nada. Nós somos feitos de nada. Tudo é feito de nada. Tudo não existe. Nós não existimos.”
Ela: – É... De que me serve isso?
Ele: – Para eu me esquecer de mim mesmo... Vai dormir pra ir ver o teu avô amanhã...
Ela levanta. Anda até o início do corredor que dá para os quartos.
Ele: – Mas guarda esta conversa... Tu pode precisar um dia...
Ela: – Pra que pensar nisso? É uma merda... De qualquer jeito...
Ele: – “De qualquer jeito...”
Ela: – É... E daí? Não resolve nada mesmo...
Silêncio.
Ele: – O vinho acabou... Tu precisa dormir... Vou pra casa tomar um banho quente...
Ela: – Até um dia...
Beijam-se no meio da sala.
Ela: – Não esquece de mim...
Ele: – Nunca...
Eles se afastam. Ela para na entrada do corredor que dá par os quartos e olha para ele. Ele para em frente à porta do apartamento e olha para ela.
Ele: – Dorme bem... E não pensa
Ele manda-lhe um beijo.
Ela: – Hey... Eu te adoro, sabia?
Ela sorri cansada.
Ele: – Eu te amo...
Ela sorri, mais uma vez, com ar cansado e compreensivo.
Ele: – Dorme bem...
Ele sai e fecha a porta. Ela entra pelo corredor. A sala fica vazia, como a garrafa de vinho em cima da mesa.
5 comentários:
Advertência: Esta história é baseada em fatos reais. Mas esta adaptação, seus personagens, partes de seus diálogos e os acontecimentos são fictícios. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
quero meus direitos autorais!!!!
xP
Advertência[2]: a "coautora" não sabia da publicação do texto né Ryan?? ^^ .. nem que seria um texto.. ou conto..
a surpresa é a melhor parte... ^^
“Tu já pensou nos átomos. E no espaço entre os átomos. É nada. Nós somos feitos de nada. Tudo é feito de nada. Tudo não existe. Nós não existimos.”
metade dos direitos desse parágrafo é meu
=p
por isso que ele tá entre aspas... saca?
=P
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